Assim eu me entrelacei com os fios e teares das mulheres rurais argentinas
Graciela Carrasco vive nas terras rubras e secas do noroeste argentino. Como outras mulheres de Belén, em Catamarca, fia e tece… Tece ponchos e sonhos. E o faz com paciência e orgulho.
As mulheres de seu povo tecem com lãs de lhamas e ovelhas da mesma forma como faziam suas avó e tataravós, há 200 anos ou mais. Obter o fio, tingi-lo com as cores das folhas e das flores do campo e se sentar ao tear requer tempo e conhecimento (paciência!). A tradição passou de geração em geração nessa pequena cidade, o berço do poncho argentino e, como diz Graciela: “é o que fazemos todos os dias. De segunda à segunda”.
Enche-lhe de satisfação (orgulho!) ter tecido o poncho que o Presidente da Argentina levou como presente ao Papa Francisco, quando o visitou em Roma. Aquele foi um verdadeiro acontecimento em todo o povoado. Graciela tinha o sonho — e assim o conta em um vídeo no YouTube! — de que os ponchos argentinos chegassem a todo o mundo.
E, bem, a minha empresa de modas, Veroalfíe, está trabalhando com ela e sua gente para isso.
Um dia abordei o povo de Graciela e de seu esposo, Ramón, com um monte de ideias criativas e talvez atrevidas: queria deixar as mulheres da comunidade interessadas em agregar valor àqueles ponchos artesanais com um toque de design e de moda. Eu francamente pensei que me custaria muito, mas eu expus o projeto e elas me disseram, com o entusiasmo que as caracteriza, “para amanhã temos uma amostra”. Foi o início de uma parceria só com ganhadores.
Já trabalhamos juntas há quatro temporadas!
Eu gosto de trabalhar com as mulheres de Belén, um povoado a 2.750 metros acima do nível do mar que está quase como parado no tempo. Quando vamos até lá para fazer uma coleção, bebemos mate juntas e comemos empanadas que elas fazem. É viver uma experiência: a comida, os odores, os sabores, o lugar, a forma como se tece…
É bom recordar que cada região da Argentina tem uma forma diversa de tecer. Em Tucumán, outra província do noroeste, os teares são circulares, em Catamarca, são quadrados. E são mais ainda diferentes e antigos os dos povos localizados ao norte de meu país, na Bolívia ou no Peru.
Gerar valor, compreender os consumidores
Para os empresários de qualquer setor, é cada vez mais relevante agregar valor; eles precisam gerar e promover novas tendências de todo tipo, que, como em nosso caso, vão além da moda. Trata-se de tendências culturais. Trata-se de inovar. Isso porque se vão impondo os gostos desses novos consumidores cada vez mais informados, que reclamam qualidade, que, mais do que objetos, querem comprar experiências, que são respeitosos para com o ambiente e exigem conhecer a forma como se produzem os bens e serviços que adquirem. Os mercados internacionais pedem cada vez mais por produtos que refletem a identidade do país onde foram desenvolvidos. Compreender isso abre mercados, mas, sobretudo, gera empregos e receitas para grupos esquecidos ou ignorados simplesmente porque vivem em zonas remotas, longe dos centros de poder das cidades.
Nos mercados de moda mais desenvolvidos, como os de Nova York, Milão, Londres ou Paris, cada vez mais se dá mais valor a roupas inspiradas e que adotam técnicas ancestrais. É uma inclinação que tem sua ancoragem em costumes repetidos e herdados geração após geração, por centenas de anos.
Estou segura de que você já percebeu isso. A cada temporada, entram em moda os estampados navajos ou os detalhes astecas, as túnicas gregas, as blusas com bordados ciganos, as bolsas colombianas, os jeans bordados ou as joias étnicas e com sabor tribal. A receita é a diferenciação, mas também se voltar para a essência, para as raízes, ao que nos é próprio e fala de nossas origens.
Claro que eu não inventei isso. Nos Estados Unidos, por exemplo, uma grande loja chamada Anthropologie, com uma visão semelhante à descrita, abriu seu primeiro ponto em 1992 e hoje possui 200 lojas em várias partes do mundo. A prestigiosa empresa assegura que seu cliente é “uma mulher com mentalidade criativa, que quer se parecer com a ela mesma, não com as massas. Tem um senso de aventura sobre o que usa e, embora para ela a moda seja importante, está ocupada demais desfrutando a vida para ser governada pelas últimas tendências”.
Pois bem, hoje, eu vendo meus produtos na Anthropologie. Quando fiz a oferta, disseram-me: ´compramos a essência de cada país´.
Como conseguimos mostrar a essência do país, se fazemos as fotos de moda da mesma forma que em qualquer cidade? Se eu sou uma designer argentina, onde tenho que mostrar minha nova coleção? A resposta é muito simples: em Catamarca, em Jujuy ou onde quer que eu tenha obtido a inspiração ou os materiais para criar minhas roupas. Por isso tive êxito. Se não trabalho com as mulheres rurais de meu país e mostro suas formas de vida e suas paisagens, não vendo nada. As fotos de estúdio estão superadas.
A paisagem apreciada nas fotografias de nossa última coleção — a terra seca, as montanhas nuas, as estradas vermelhas e sem pavimentação, os cactos e as casas de tijolos vermelhos — é apenas parte daquilo que vendemos, ou melhor, que promovemos. O mesmo com os materiais originários da Argentina e da região dos Andes, como lãs de lhamas, de vicunhas e de guanacos, tão típicas de nosso altiplano. São os ponchos e xales únicos e diferentes que dizem ao mundo qual é a nossa essência, de que somos feitos e de onde viemos.
Creio, em síntese, que o que se deve fazer é voltar às origens, e voltar às origens é trabalhar com as comunidades rurais. É isso o que podem fazer – e já estão fazendo — os designers modernos e autênticos de cada país da América Latina. Esse será o futuro por muitos anos a mais; a moda seguirá refletindo as diferentes partes do mundo.
Nossos países têm experiências formidáveis, como os chapéus Panamá, feitos por hábeis mãos equatorianas com a palha toquilla, hoje, símbolo de elegância. Sua oferta tem se multiplicado com variedades de cores e desenhos, diferenciando-se sobretudo pela qualidade e a flexibilidade da fibra.
Cada região tem sua particularidade, e o desafio é levar isso para a moda e é para isso que existimos, os designers. Queremos que, com nosso apoio, tudo isso se converta em uns viveiros de ofícios artesanais que se transformam em moda. Somos os únicos que conectamos as artesãs com um mundo talvez alheio, mas certamente muito competitivo, como o da moda.
Compreendemos que a moda hoje precisa mostrar como vivem essas mulheres rurais, o que há por trás de uma coleção, o que há por trás de uma marca. Na realidade, há equipes de trabalho e parceria com as artesãs que dão vida a nossos desenhos. O nome da pessoa que fez a peça fica impresso nas etiquetas e é mencionado em nosso site. Elas nos vendem os cachecóis ou os ponchos e nós os colocamos nos mercados internacionais, mas elas mantêm suas lojas e participam de feiras artesanais.
Atualmente, com apoio do governo, as próprias tecelãs rurais estão se organizando e preparando um programa para criar uma marca do país e para isso contam com a minha colaboração e a de outras pessoas. Eu as apoio no design para que façam sua própria coleção.
Vinte anos de trabalho conjunto
Sempre gostei de coisas feitas à mão, bordados, cerâmicas, velas. Gosto também de materiais nobres e bons, como as lãs de alpaca ou de lhama. Atraem-me as coisas nativas, embora eu também goste de lançar projetos e de criar marcas. Eu presto atenção ao mercado e escuto as consumidoras.
Minha experiência com grupos de mulheres rurais remonta a uns 20 anos. Primeiro, trabalhei no Peru e, em seguida, na Argentina, sobretudo no noroeste, em Catamarca e Jujuy.
Agrada-me trabalhar com elas em seu próprio habitat, em vez de trazê-las até Buenos Aires. Queremos conhecer suas histórias, ver seus filhos, construir uma relação, perceber como se sentem em termos de valor, vê-las se empoderar. É incrível. Minha postura não é dizer que elas devem fazer isso ou aquilo, mas fazer com elas uma coleção e apoiá-las para que possam vender seus produtos fora de suas comarcas.
As técnicas com que fazem os nossos produtos são valiosas; são autênticas e, quanto mais naturais, mais vendem. E devo ser muito enfática: isso já não é artesanato, é moda. Trata-se de levar o artesanato para outro nível, convertendo-o em moda, em moda para o mundo.
Assim como eu alcancei o sucesso trabalhando com os povos originários, muitos outros designers podem dar contribuições maravilhosas, compreendendo que essas artesãs e esses artesãos são o melhor capital de cada um de nossos países. Trabalho com seis ou sete grupos em diferentes regiões do país, nem todos constituídos por mulheres; também há homens. Todos merecem ser ouvidos, todos devem ser ouvidos.