Seção 2

Dados que gritam a realidade

Corrigir os persistentes hiatos de gênero é essencial para o desenvolvimento econômico e social de nossa região

Urge superar a exclusão política das mulheres rurais

Criada em 1928, a CIM foi o primeiro organismo intergovernamental estabelecido para garantir o reconhecimento dos direitos humanos das mulheres. Desde então, transformou-se no principal fórum das Américas para o debate e a formulação de políticas sobre os direitos das mulheres e a igualdade de gênero.

Ao longo de seus noventa anos de existência, a Comissão se dedicou a trabalhar para garantir os direitos das mulheres e a igualdade de gênero nas Américas. Depois da Europa Ocidental, a estrutura jurídica e de políticas da nossa região em torno desses temas é a mais sólida do mundo. Os governos do hemisfério adotaram acordos legalmente vinculantes e declarações políticas de compromisso com respeito aos direitos humanos das mulheres e a igualdade de gênero, todos os quais se converteram em uma sólida estrutura jurídica e normativa para proteger e garantir os direitos das mulheres e punir a discriminação e a violência de gênero arraigadas nas Américas. Não obstante, continuam a existir hiatos entre a estrutura jurídica e normativa e a prática na real implementação dos direitos humanos e da igualdade das mulheres.

Mais recentemente, com a aprovação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, os países se comprometeram a buscar a igualdade de gênero e a empoderar todas as mulheres e meninas (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº. 5). Esse compromisso inclui diversos propósitos que cabem ser destacados no contexto atual: empreender reformas destinadas a oferecer às mulheres direitos iguais a recursos econômicos, bem como acesso à propriedade da terra e ao controle sobre ela e a outros tipos de bens, a serviços financeiros, à sucessão e a recursos naturais; reconhecer e valorizar as tarefas de cuidados e domésticas não remuneradas pela prestação de serviços públicos, infraestrutura e políticas de proteção social e a promoção da responsabilidade compartilhada no âmbito doméstico e familiar; assegurar a participação plena e eficaz e a igualdade de oportunidades para as mulheres em todos os níveis da tomada de decisões na vida política, econômica e pública; e eliminar toda forma de violência contra as mulheres e meninas nos planos público e privado, inclusive o tráfico e a exploração sexual e outros tipos de exploração das mulheres nas zonas rurais.

As mulheres devem ter os mesmos direitos que os homens, o que significa igualdade em termos de direitos de sucessão, a possibilidade de possuir terras, gado e outros recursos econômicos e o acesso igualitário à capacitação em agricultura e outras áreas úteis em seu entorno; além disso, devem conhecer muito bem a gestão dos recursos naturais, em especial da água e das formas e meios para evitar, ou pelo menos reduzir, o impacto da mudança do clima. Além disso, devem ter o direito de receber educação e acesso a novas tecnologias, de conhecer seus direitos e como defendê-los, a viver sem violência e sem medo e a contribuir para o bem-estar de suas famílias e comunidades.

Na análise da situação dos direitos humanos das mulheres e da igualdade de gênero, mostra-se imperativo considerar a interseccionalidade de outras dimensões da discriminação, como a idade, a raça, as deficiências e a condição de migrante ou deslocada e de habitante das zonas rurais, entre outras. A discriminação e a falta de acesso a direitos são agravadas por essas situações especiais de vulnerabilidade, que perpetuam sua carência de acesso a direitos e à igualdade de trato e, em última instância, prolongam sua situação de pobreza. Deve-se considerar a interseccionalidade para alcançar a igualdade de gênero.

No caso concreto das mulheres rurais, de acordo com estatísticas do Escritório Regional da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) para a América Latina e o Caribe, embora trabalhem todos os dias, na América Latina, 40% das mulheres rurais maiores de quinze anos carece de receitas próprias. Sem receber qualquer retribuição econômica, sua contribuição para a economia assistencial foi de vital importância para a produtividade e a subsistência diária dos lares rurais. Além disso, segundo a FAO, as mulheres rurais da região só possuem parte da terra, do crédito, dos insumos produtivos e da educação que os homens têm.

No relatório sobre o hiato global de gênero de 2017 do Fórum Econômico Mundial (FEM) se reconhece que as diferenças entre as mulheres e os homens quanto à sua participação na vida econômica e seu empoderamento político continuam sendo consideráveis, uma vez que apenas 58% do hiato de participação econômica foi eliminado; além disso, estima-se que, com o ritmo atual de avanço, o hiato global de gênero na América Latina e no Caribe (ALC) poderá ser vencido dentro de 79 anos.

Corrigir essas diferenças persistentes em termos de gênero é fundamental não só para garantir a proteção plena dos direitos humanos das mulheres, mas também para avançar no desenvolvimento econômico e social de nossa região. No relatório sobre o hiato global de gênero de 2017 também se ressalta que, de acordo com diversos modelos e estudos empíricos, melhorar a paridade de gênero pode gerar importantes benefícios econômicos, e que compensações justas pelas capacidades e a disponibilidade de acervos mais ricos de talentos são afetadas pelos preconceitos de gênero, o que supõe perdas maiores quanto aos benefícios da diversidade na economia assistencial e o setor tecnológico emergente.

As contribuições das mulheres rurais às vantagens econômicas, ambientais e sociais para o desenvolvimento sustentável são de grande importância para a sociedade e suas comunidades. No entanto, elas enfrentam enormes desafios para ter acesso a serviços básicos, como assistência médica, educação, crédito e outras oportunidades de crescimento pessoal e econômico. Nesse sentido, seu empoderamento se torna essencial não só para seu bem-estar e de suas comunidades, mas também para o crescimento econômico e a produtividade de seus países.

Isso destaca a relevância do empoderamento das mulheres e meninas rurais. As políticas e os programas públicos direcionados a lhes oferecer acesso à educação e à capacitação especializada devem ser uma prioridade em nossa região. Além disso, eles devem fomentar a corresponsabilidade da reprodução social, que inclui os cuidados, entre as mulheres, os homens, o Estado e o setor privado. Não basta lhes proporcionar acesso à educação e à capacitação especializada para empoderar e integrá-las na economia formal, com todos os benefícios que isso supõe, se não for abordada a redistribuição dos papéis e as responsabilidades tradicionais do lar. A medida que os homens participam mais das tarefas do lar e dos cuidados dos dependentes, as mulheres têm maiores oportunidades para aumentar sua participação na economia produtiva e seus ganhos e para realizar maiores contribuições para a economia do lar e a economia em geral.

Além de oferecer oportunidades às mulheres rurais para que façam parte da economia formal, na região, devem ser implementadas políticas públicas que, sob uma perspectiva de gênero e direitos, oferecem apoio integral e proteção social àquelas que participam de atividades econômicas no setor informal ou que realizam trabalho não remunerado em sua casa ou comunidade. Nas Américas ainda se enfrenta o desafio de incorporar um enfoque baseado nos direitos e nos direitos econômicos, sociais e culturais estabelecidos na estrutura jurídica da região, a seus sistemas de proteção social, mediante sólidas políticas públicas voltadas para facilitar a implementação da estrutura jurídica.

Em termos de seu empoderamento e liderança políticas, as mulheres das Américas fazem frente a grandes obstáculos para poder exercer seus direitos, o que se exacerba no âmbito local e nas zonas rurais, onde sua participação na política é ainda mais limitada do que no plano nacional. Alguns padrões culturais patriarcais que persistem perpetuam a discriminação e as desigualdades às quais as mulheres estão sujeitas, especialmente as rurais, as indígenas e as afrodescendentes. Basicamente sua participação na política é crucial para ter democracias inclusivas, capazes de representar uma pluralidade de interesses e demandas. Superar a exclusão das mulheres da vida política e de postos particulares de liderança, representação e formulação de políticas é um dos desafios essenciais enfrentados pelo seu empoderamento e os sistemas democráticos das Américas.

A transcendência do empoderamento das mulheres na esfera política foi reconhecida na região. A CIM trabalha atualmente em suporte ao exercício pleno da cidadania política das mulheres e da paridade na representação política como condições essenciais da governança e uma democracia dos cidadãos dos países das Américas. A fim de cumprir esse objetivo, a Comissão realiza atividades destinadas a sensibilizar os líderes políticos com relação aos impactos das desigualdades de gênero no contexto político, nos direitos políticos das mulheres e na paridade de gênero, bem como para fortalecer a capacidade institucional das autoridades políticas e eleitorais da região para mitigar a violência política e o assédio contra as mulheres. Como foi mencionado antes, deve-se levar em consideração a interseccionalidade conforme se avança para a plena participação política das mulheres. O trabalho com as mulheres rurais, indígenas e afrodescendentes continua a ser uma prioridade para a CIM em seu compromisso de fortalecer sua participação, liderança e empoderamento político.

Além disso, um dos pilares da Estratégia de Montevidéu para a Implementação da Agenda Regional de Gênero no Âmbito do Desenvolvimento Sustentável para 2030 da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) é a “participação popular e cidadã: democratização da política e das sociedades”, que se refere à contribuição das mulheres, em toda a sua diversidade, ao projeto, à aplicação e ao acompanhamento das políticas nos âmbitos nacional e internacional.

No contexto do trabalho da CIM sobre a implementação eficaz da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), está sendo abordada a prevenção e a erradicação de todas as formas de violência contra as mulheres. Pelo Mecanismo de Acompanhamento da Convenção de Belém do Pará (MESECVI), analisa-se o avanço na implementação da Convenção pelos estados partes e os desafios persistentes enfrentados pelo Estado para dar uma resposta eficaz a essa violência.

O Terceiro relatório hemisférico sobre a implementação da Convenção de Belém do Pará , aprovado recentemente, inclui recomendações concretas para considerar a interseccionalidade das diferentes dimensões da discriminação, inclusive a relacionada às mulheres rurais. Algumas dessas recomendações conclamam os estados a (1) aprovar a legislação e a elaborar e implementar políticas públicas voltadas para prevenir e erradicar condutas e práticas culturais ou discriminatórias baseadas na subordinação ou na inferioridade das mulheres e meninas; (2) adaptar o aparelho estatal, que deve levar em conta as necessidades especiais e os obstáculos que enfrentam os grupos de mulheres e meninas com maior vulnerabilidade à violência para ter acesso à justiça (inclusive as que habitam nas zonas rurais em situações de pobreza e exclusão, com barreiras de idioma etc.); e (3) atribuir orçamentos significativos que permitam realizar campanhas, ações e programas nacionais massivos para a prevenção da violência contra as mulheres, a fim de cumprir cabalmente a obrigação de devida diligência para garantir uma vida livre de violência. O MESECVI reconhece a importância de investir na prevenção da violência contra as mulheres não só para assegurar o exercício de seus direitos, mas também para contribuir para reduzir os custos implicados pela assistência e punição quando se apresenta esse tipo de violência (saúde, serviços especializados, causas nos tribunais, reparação de direitos).

Em relação ao Dia Internacional da Mulher Rural, devemos reconhecer os hiatos consideráveis que perduram entre as mulheres das zonas rurais e as das zonas urbanas e aplicar as medidas necessárias para eliminá-las no menor prazo possível. Essa será a única maneira de honrar, em sua totalidade, o nosso compromisso com a igualdade de direitos e de gênero.

Por meio da Carta Democrática Interamericana, os estados membros da OEA reconheceram que “a democracia e o desenvolvimento econômico e social são interdependentes e se reforçam mutuamente”. Além disso, admitiram que a eliminação de toda forma de discriminação e respeito à diversidade nas Américas contribui para o fortalecimento da democracia. O ponto forte de nossas instituições democráticas depende da inclusão, da diversidade e da pluralidade da participação de seus cidadãos. O valor do papel que as mulheres rurais desempenham em nossas sociedades, sua contribuição para a economia, seu empoderamento e liderança, o respeito por seus direitos humanos e sua igualdade de acesso a oportunidades e serviços contribuirão ainda mais para a consolidação de nossas democracias e práticas democráticas. As políticas públicas promulgadas pelos países das Américas devem abordar os hiatos que permanecem e oferecer as oportunidades, os serviços e o acesso que as mulheres rurais requerem para desenvolver o máximo de seu potencial e contribuir em maior medida para nossas comunidades e sociedades em geral.

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Embajadora Carmen Moreno • Subsanar las persistentes brechas de género es esencial para el desarrollo económico y social de nuestra región Embaixadora Carmen Moreno

Secretaria Executiva da Comissão Interamericana de Mulheres (CIM), Organização dos Estados Americanos (OEA)