Seção 2

Dados que gritam a realidade

Rumo à igualdade de gênero, um desafio que nos une

A situação das mulheres rurais na Argentina revela as nossas dívidas históricas

A luta da mulher por sua participação, em igualdade com os homens, na sociedade, é uma luta que leva décadas, mas que hoje tem uma potência arrasadora, um peso sem precedentes em todo o mundo. Na Argentina, vivemos um momento histórico em que a luta pela igualdade de direitos das mulheres se transformou em um dos principais temas da agenda política e, sobretudo, social. O que antes era um tema discutido entre especialistas, hoje faz parte dos diálogos e conversas cotidianas, na mesa de casa, nas escolas, no campo e nas cidades. Porque falar de gênero é muito mais do que falar de violência, é falar, definitivamente, dos direitos humanos.

Sabemos que um país próspero requer uma sociedade igualitária. Como soube propor Kofi Annan, “a igualdade de gênero é mais do que um objetivo em si mesmo, é uma precondição para enfrentar o desafio de reduzir a pobreza, promover o desenvolvimento sustentável e construir uma boa governança”.

Nesse processo de transformação social e cultural, o Estado desempenha um papel fundamental, não só ao articular as novas demandas sociais, mas também como promotor proativo de políticas públicas que tendam a garantir que todas as pessoas, independentemente de seu gênero, tenham os mesmos direitos e possam exercer plenamente suas autonomias.

O fato de, hoje, debatermos problemas sociais históricos fortalece a nossa democracia e nossas instituições. De fato, desde o início de nossa gestão, o Presidente assumiu, liderou e promoveu a igualdade de gênero. Temos a responsabilidade, por parte do Estado e de toda a sociedade, de refletir e gerar mudanças que contribuam para fechar hiatos históricos de desigualdade e garantir um país com uma verdadeira equidade, onde cada uma possa escolher com liberdade.

Na Argentina, metade da população é de mulheres e 40% delas são chefes de família. 1.772.107 das mulheres vivem no âmbito rural. No entanto, a desigualdade de gênero se evidencia em várias dimensões:

O trabalho não remunerado é tarefa quase exclusiva das mulheres: As mulheres dedicam quase o dobro de horas que os homens ao trabalho doméstico e de cuidados. No trabalho, as mulheres não têm as mesmas oportunidades que os homens: As mulheres cobram 23,5% menos que os homens pelo mesmo trabalho. Os homens ocupam 68,8% dos cargos executivos no âmbito privado, enquanto as mulheres, 31,2%. As mulheres não têm a sua integridade física garantida: Em 2017, 251 mulheres foram assassinadas por ser mulheres e, entre 2008 e 2017, 3.378 filhos e filhas ficaram sem mãe, dos quais, 2.161 (mais de 66%) são menores de 18 anos. O âmbito da tomada de decisões é proeminentemente masculino: De 24 governadores, 4 são mulheres; 1 juíza é mulher dentre 5 que integram a Suprema Corte de Justiça; 9,4% dos intendentes são mulheres; 37,5% dos assentos no Senado são ocupados pelas mulheres; e 35,6% dos assentos dos Deputados são ocupados pelas mulheres.

Os problemas atuais da mulher rural revelam as dívidas históricas que temos como governo, sociedade civil e setor empresário, não só em termos de autonomia econômica, mas também acerca da superação da pobreza das mulheres, do trabalho doméstico e de cuidados não remunerados, da desigualdade salarial, da discriminação no mercado de trabalho e dos déficits de proteção social.

As mulheres rurais tornam visíveis as múltiplas dimensões da desigualdade de gênero. Embora representem um terço da população mundial e sejam responsáveis pela metade da produção mundial de alimentos, por muito tempo estiveram invisíveis para as políticas públicas.

Em termos de igualdade econômica, as mulheres rurais têm menor acesso a recursos produtivos e meios de produção que seus pares homens. Além disso, elas estão mais expostas à pobreza e ao isolamento do que as mulheres urbanas, uma vez que têm menores possibilidades de acesso a serviços sociais e culturais e a uma melhor infraestrutura.

Além disso, da mesma forma que nas cidades, as mulheres rurais são responsáveis pelo trabalho não remunerado, que tende a não ser reconhecido. O trabalho doméstico no campo implica mais tempo e mais esforço ao envolver tarefas mais árduas e complexas do que na cidade. Se considerarmos a igualdade de gênero na tomada de decisões e na participação do cidadão, as mulheres rurais têm maiores dificuldades para participar dos espaços de decisão públicos e, portanto, para opinar e tomar decisões nesses âmbitos.

Finalmente, as mulheres rurais se deparam com a violência de gênero da mesma forma que as mulheres urbanas, embora os serviços e dispositivos de assistência integral geralmente se concentrem em lugares de maior densidade populacional. As mulheres rurais podem ser mais vulneráveis a esse problema quando se dificulta o acesso a serviços de assistência e à justiça.

Essa realidade nos questiona e impõe a necessidade de promover uma política abrangente e coordenada que vise eliminar as desigualdades de gênero e promover uma sociedade equitativa. É por isso que estamos avançando em ações e estratégias concretas que institucionalizam esse processo.

Visando hierarquizar e transversalizar a abordagem de gênero em todas as políticas públicas e promover o empoderamento das mulheres, foi criado, em 2017, o Instituto Nacional da Mulher (INAM) para dar continuidade às funções do Conselho Nacional de Mulheres, que funcionou entre 1992 e 2017. O INAM foi criado como uma entidade descentralizada sob a jurisdição do Ministério do Desenvolvimento Social e com função de Secretário de Estado.

Atualmente, contamos com estatísticas oficiais. Em uma iniciativa conjunta entre o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (INDEC) e o INAM, conjuntamente com a participação de todos os organismos que oferecem assistência às mulheres vítimas de violência de gênero, foi criado e publicado um Registro Único de Casos de Violência Contra as Mulheres, o qual abrange os anos 2013 a 2017, revertendo assim a ausência histórica de informações que torna o problema invisível.

Temos promovido o primeiro Plano Nacional de Igualdade, pelo qual 36 organismos elaboraram conjuntamente um total de 200 compromissos que incluem metas, indicadores e prazos. Desse modo, nosso país dá cumprimento às obrigações internacionais assumidas ao aderir à Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, às recomendações oriundas de organismos como o Comitê CEDAW, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

O Plano Nacional de Igualdade é mais do que um roteiro, ele constitui um plano de ação para alcançar a equidade entre gêneros na Argentina. Trata-se da primeira vez, em nosso país, que o Poder Executivo promove o compromisso em termos de igualdade de gênero, de forma articulada, estratégica e integral. Além disso, o Plano será monitorado de maneira centralizada por um organismo independente, em virtude da importância que tem não só para o nosso governo, mas para toda a sociedade.

No âmbito do trabalho, o hiato salarial existente é uma dívida pendente. Em muitos casos, o que uma mulher ganha em um ano, um homem que realiza as mesmas tarefas ganha em 8 meses. Além disso, em termos de altos cargos, geralmente há maior presença masculina. Em termos gerais, em nosso país, as mulheres apresentam maiores taxas de desemprego, vínculos mais instáveis com o trabalho remunerado e salários inferiores. Além disso, existe uma alta percentagem de mulheres que sofreram assédio trabalhista. Foram seus chefes, companheiros ou clientes. Essa realidade geralmente está atada à tradicional crença de que a força de trabalho feminina é de suporte, porque apresenta uma alta instabilidade, carece de capacitação e está limitada pela maternidade. Ou seja, são atribuídos perfis trabalhistas estereotipados que concordam com os papéis historicamente atribuídos a cada gênero.

É por isso que, pelo Executivo, foi enviado ao Congresso Nacional um Projeto de Lei que busca garantir a equidade de salário e oportunidades em todos os aspectos da vida trabalhista e proibir qualquer tipo de discriminação por gênero ou estado civil. O projeto propõe mudanças na Lei de Contrato de Trabalho que acompanham mulheres vítimas de gênero e dão mais flexibilidade às mães e aos pais para cuidar de seus filhos, estabelece licenças por violência de gênero, amplia as licenças maternidade e paternidade por procedimentos de fertilização assistida e adoção e habilita a possibilidade de reduções temporárias de jornada de trabalho com uma remuneração proporcional para mães e pais.

Além disso, estamos promovendo a Iniciativa de Paridade de Gênero na Argentina, a qual faz parte de um conjunto de iniciativas promovidas nos países da região por uma parceria entre o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Fórum Econômico Mundial para reduzir os hiatos de gênero no plano econômico. A iniciativa tem como objetivo aumentar a participação das mulheres na economia, reduzir o hiato salarial entre homens e mulheres e promover a participação de mulheres em postos de liderança.

Em 2018, o nosso país liderou o Women 20 (W20), um grupo de afinidade do G20 integrado por uma rede transnacional de mulheres líderes que busca influenciar os grupos de decisão para levar adiante políticas de equidade de gênero. O capítulo argentino do W20 apoia o crescimento econômico com a inclusão de gênero por meio de quatro eixos: trabalhista, digital, financeiro e rural. Além disso, tem por objetivo transversalizar a perspectiva de gênero em todos os grupos de afinidade do G20.

Historicamente, as mulheres têm desempenhado um papel central na reprodução, cuidados e criação das crianças. Por isso, as dificuldades que elas enfrentam e sua falta de empoderamento têm impacto direto e negativo no desenvolvimento das crianças. Há uma comprovada correlação entre o bem-estar e o empoderamento das mães e o desenvolvimento positivo de seus filhos. Para muitas mulheres, a única forma de combinar os cuidados com seus filhos e a geração de receitas é se inserir de maneira informal na economia, com receitas instáveis, frente ao que a possibilidade de ter acesso a um espaço de cuidados para seus filhos é muito difícil. Essa situação se recrudesce para as mulheres rurais, que têm menor disponibilidade de acesso a esses serviços.

É por isso que implementamos o Plano Nacional de Primeira Infância. Um de seus componentes são os Espaços de Primeira Infância, onde as crianças recebem cuidados a partir de uma abordagem integral (assistência nutricional, estimulação antecipada e psicomotricidade, prevenção e promoção da saúde). Atualmente, está sendo fortalecida a abertura desses espaços em âmbitos rurais de nosso país para igualar oportunidades de acesso. O Programa Nacional Primeiros Anos está orientado para o fortalecimento das capacidades de criação de famílias com meninos e meninas de 0 a 4 anos em situação pobreza. O programa opera em todo o país e gera resultados no apoio à criança em comunidades rurais de Povos Originários. Como parte dessa iniciativa, foram elaborados materiais nos idiomas Pilagá, Wichi e Quom para fortalecer as práticas parentais.

Por outro lado e em termos de acesso à saúde integral, implementamos o Plano de Prevenção da Gravidez Não Intencional na Adolescência. Ele incorpora a perspectiva de gênero e o empoderamento das mulheres transversalmente nos seus diversos objetivos e linhas de ação. Isso é ainda mais relevante para as jovens rurais, as quais têm mais dificuldades de acesso não só a métodos anticonceptivos, como também às informações que precisam para exercer a sua sexualidade de maneira responsável e autônoma.

Na Argentina temos avançado em torno da ampliação dos programas de receita à infância. Nesse sentido, estão sendo incorporados os filhos e filhas dos trabalhadores independentes (contribuintes autônomos) e temporários ligados principalmente a atividades rurais. Cabe destacar que esse tipo de programa potencializa o empoderamento das mulheres, uma vez que a titularidade da prestação é sobretudo delas e, portanto, exercem um maior grau de autonomia nas decisões do lar.

A partir do Levantamento Nacional de Bairros Populares, milhares de famílias que vivem em assentamentos vulneráveis podem ter acesso a um certificado de moradia familiar que lhes permite certificar seu domicílio ante qualquer autoridade. Nesse processo histórico, as mulheres são as protagonistas, representando 58% das responsáveis por moradias.

As mulheres representam mais de 70% das titulares de programas sociais e seu acompanhamento é ativamente promovido com o objetivo de fomentar sua autonomia e empoderamento. Além disso, empreendimentos produtivos liderados por mulheres em comunidades rurais vulneráveis e sua comercialização são fortalecidos, promovendo o desenvolvimento local e os princípios de comércio justo.

O Programa Pró-Horta desenvolve ações destinadas às mulheres para a autoprodução de alimentos e comercialização de excedentes de hortas e granjas. Outra linha de ação promove projetos vinculados ao acesso à água pela captação de água da chuva por cisternas, vertentes e mananciais. Essa política tem uma implicação significativa para as mulheres rurais, as quais são tradicionalmente as encarregadas de fornecer água e que, em muitos casos, precisam que caminhar quilômetros para isso.

Por último, outro dos componentes da agenda de gênero que está sendo desenvolvido na Argentina está relacionado à erradicação da violência contra as mulheres. Pela primeira vez em nosso país, foi lançado um Plano Nacional de Ação contra a Violência contra as Mulheres que conta com duas linhas de atuação: por um lado, a prevenção e a educação sobre a igualdade, por outro, o atendimento integral das mulheres em situação de violência de gênero. Ele expressa com clareza a decisão e a vontade do governo de assumir como política de estado o direito de todas as pessoas a viver uma vida livre de violência.

Além disso, temos nos comprometido com familiares das mulheres que morreram vítimas de violência com medidas concretas contra esse flagelo, a Lei Brisa reconhece um benefício econômico mensal aos filhos das vítimas de feminicídio. A violência de gênero deixa centenas de crianças sem mãe. Promover políticas de educação sobre igualdade e acompanhá-los é a nossa prioridade.

O desafio de uma sociedade sem desigualdades deve comprometer a todos nós. Juntamente com as mudanças e avanços protagonizados pelas mulheres, é necessária a participação e o envolvimento dos homens. A incorporação deles na prática da igualdade é um processo do qual, em grande medida, depende o desenvolvimento de uma sociedade democrática. Devemos pensar na complementaridade, o que implica abandonar o masculino e o feminino como um binômio classificador, como um designador de papéis e demarcador de barreiras e tarefas. O feminino e o masculino como papéis preestabelecidos limitam sonhos, projetos e inquietações. Isso não significa negar as diferenças, mas eleger a igualdade como princípio jurídico, ético e político.

A igualdade de gênero é um desafio que me desafia todos os dias. No meu papel de Ministra, para fornecer as ferramentas e o acompanhamento necessários para que cada mulher possa se desenvolver e fortalecer, bem como tomar decisões com liberdade e desdobrar todo o seu potencial em seu projeto de vida. Na minha própria experiência, no contato diário com as mulheres, tenho testemunhado o capital transformador que todas as mulheres têm, desde aquelas que são o sustento de suas famílias no meio rural ou aquelas que constroem espaços de primeira infância para seus filhos e para que outras mães possam ir trabalhar sabendo que seus filhos estão sendo bem cuidados e mesmo aquelas que geram empreendimentos produtivos, nos quais, a partir de uma ideia, surge um processo que dá vida a toda uma comunidade. A igualdade de gênero também me desafia em meu papel de mãe, para educar meus filhos homens para a igualdade.

Abrir a porta para todo o potencial das mulheres e meninas tem um efeito multiplicador que não só nos beneficia, mas à sociedade em seu conjunto. Por isso, essa luta não pode ser unicamente das mulheres, precisa ser uma bandeira de toda a sociedade.

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Carolina Stanley • Hacia la igualdad de género, un desafío que nos une Carolina Stanley

Ministra de Desenvolvimento Social, República da Argentina