Seção 1

Mulheres rurais na agenda...
A agenda das mulheres rurais

Desafios e oportunidades das mulheres rurais no México

A magnitude do atraso nas regiões indígenas é ultrajante

Existe, no México, de acordo com o Censo 2010, 28,1 milhões de casas de recenseamento. As localidades rurais registram 6,1 milhões de lares, os quais representam 21,9% do total e, neles, residem 25,8 milhões de pessoas: a quarta parte da população total do país. Esses dados contrastam com os de 1950, em que a população rural significava 57,40% da população total, com 14,8 milhões de habitantes.

Com relação à população indígena, em 2010, eram 6.695.228 pessoas, das quais, 3.407.389 (50,9%) eram mulheres e 3.287.839 (49,1%), homens. Em termos absolutos, essa população registrou um aumento de 1.412.881 pessoas em comparação com 1990, tendo crescido nesses 20 anos a uma taxa média anual de 2,2%.

De acordo com a medição multidimensional da pobreza no México, realizada em 2012 pelo Conselho Nacional de Avaliação da Política de Desenvolvimento Social (CONEVAL), 45,5% da população mexicana vive em condições de pobreza multidimensional, da qual 27,6 milhões são mulheres e, delas, 8,5 milhões habitam zonas rurais.

Seis de cada 10 mulheres rurais (62,1%) estão em situação de pobreza; mais de 3 milhões estão em extrema pobreza e 5,5 milhões, de pobreza moderada. A extrema pobreza na população feminina é uma situação sobretudo presente no âmbito rural, pois, nesse âmbito, 35,2% das mulheres pobres multidimensionais estão em extrema pobreza, enquanto em sua contrapartida urbana, apenas 15 em cada 100 mulheres pobres multidimensionais estão em extrema pobreza.

Outro dos aspectos relevantes na medição multidimensional da pobreza no México é a vulnerabilidade por carências sociais, a qual é definida pelo CONEVAL como a falta de acesso da população a benefícios como educação, saúde, seguridade social, infraestrutura da moradia, serviços básicos e alimentação.

Cabe destacar, além disso, que nove em cada 10 mulheres de localidades rurais têm pelo menos uma carência social e quase a metade (46,9%) tem pelo menos três carências. Entre essas se destacam a carência por acesso à seguridade social (81,2%), a carência por serviços básicos na moradia (57,4%) e a carência por acesso à alimentação, 31,1%. Todos são percentuais muito superiores no âmbito rural em relação ao urbano (INEGI, 2014).

A magnitude do atraso nas regiões indígenas é ultrajante, e representa, sem dúvida, a maior dívida do Estado mexicano.

Conforme o Programa Nacional para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas, nas zonas indígenas não há nem 0,1% de médicos por cada mil habitantes, enquanto a média nacional é de 1,38. É possível continuar enumerando as carências em termos de moradia digna, acesso a serviços de luz, água, caminhos e muito mais, sendo paradoxal que em seus territórios se albergue a maior riqueza de recursos naturais e grande parte da inestimada riqueza cultural e a cosmovisão que vemos refletida nos belos artesanatos que nos dão identidade.

Conforme os resultados da Pesquisa Nacional de Emprego em Zonas Indígenas de 1997, no grupo de 15 anos e mais, 37% da população de língua indígena não tinha instrução alguma, sendo as mulheres as mais afetadas, tanto que 45,8% delas não recebeu instrução educacional. No caso dois homens, também grave, 28% estava nessa condição.

O desafio se intensifica e a atenção governamental para essa população se complica, dada a grande dispersão de mais de 40.000 localidades, das quais quase 14 mil têm entre 100 e 1.500 habitantes.

É inevitável, ante essa desigualdade social, identificar o papel e a contribuição das mulheres rurais para valorizá-las e desenvolver um intenso trabalho de conscientização da sociedade e dos responsáveis pela formulação e execução da política pública do setor e do país em geral. As mulheres rurais e indígenas são agentes econômicos e sociais cujas capacidades, competências, contribuições e direitos obrigam a adequar as políticas de desenvolvimento com uma perspectiva e visão equitativa de gênero que lhes conceda maiores e melhores espaços de participação e desenvolvimento.

A insuficiência de informações não apenas foi evidenciada como restrições na análise dos fenômenos relacionados à mulher, mas também como limitante para a consolidação da consciência social que deve prevalecer sobre os problemas que enfrentam as mulheres rurais e indígenas e a muito urgente necessidade de resolvê-los. As soluções devem ocorrer tendo como base a própria mobilização da energia social desse setor do campo mexicano, sob a visão de um Estado facilitador de um modelo de desenvolvimento alternativo, com políticas públicas capazes de enfrentar com sensibilidade e capacidade o desafio que representa o atraso que segura o nosso México Rural.

A geração de capacidades da população rural é viabilizada pelo fomento e apoio ao funcionamento de estruturas organizacionais que permitam a interação entre mulheres e homens em níveis microrregionais, desenvolvendo sua capacidade de se congregar e influenciar em níveis combinados de intervenção e decisão.

Isso nos leva ao reconhecimento de que o âmbito de ação e mobilização das mulheres rurais é territorial e que, portanto, o âmbito de planejamento e gestão deve ser territorial.

Acrescentamos que o campo mexicano deve ocupar um lugar prioritário como gerador de alimentos frente a uma crescente crise alimentar; frente à necessidade de dispor dos recursos naturais e serviços ambientais que dão vida ao desenvolvimento; frente ao combate à insegurança e à deterioração de nosso tecido social que tem refúgio em muitas das zonas rurais; frente à necessidade de construir, no meio rural, territórios que representem uma oportunidade e qualidade de vida, e não pontos de expulsão do potencial humano que migra para o norte ou para os cinturões de miséria das cidades, afundando nos piores círculos de marginalidade e na frequentemente chamada “tarefa pendente” com os povos indígenas. Em todos e em cada um desses elementos, indiscutivelmente, as mulheres desempenham um papel determinante, mas pouco valorizado.

Uma visão territorial do desenvolvimento de nosso México Rural e, portanto, de nosso país, abarca desde o seu posicionamento de diversificação e aglomeração produtiva, grandes e promissoras possibilidades em termos de equidade de gênero, posto que repropõe a hierarquia produtiva tradicional existente não só no setor agrícola, como fora de este. O fortalecimento da participação das mulheres no âmbito territorial representa um estímulo fundamental à ação e, sobretudo, à elevação da autoestima e a associação e solidariedade que lhes permite transitar de agentes passivas para iniciativas de mobilização como força para promover mudanças em sua posição e condição.

Aspectos críticos que afetam as estratégias
Poderíamos resumir da seguinte forma alguns aspectos críticos que afetam a formulação de estratégias adequadas para as mulheres rurais no México:

a) A falta de visão e conceituação do territorial para a participação das mulheres. b) A insuficiente dotação orçamentária para investir em formação seria, no entendimento daquilo que implica a inclusão e o desenvolvimento com perspectiva de gênero nas ações com homens e mulheres, não só com as mulheres. c) O incipiente desenvolvimento de metodologias focalizadas e adequadas que facilitem a participação e o fortalecimento de capacidades. d) A falta de articulação de componentes indissolúveis de capacitação, investimento produtivo, desenvolvimento humano e fortalecimento das capacidades próprias, para que, a partir deles sejam incorporados outros elementos que assegurem uma verdadeira integralidade e articulação produtiva, social e política. e) O pouco e/ou mal orientado fomento à organização das mulheres e o temor à transferência de poder às mesmas. f) A inevitável sujeição aos processos e tempos burocráticos que não só provocam perda de tempo pelo atraso de suas normativas, mas também a incompatibilidade ou complementaridade dos programas e políticas entre as diversas instituições; ou seja, uma impossibilidade de articulação e coordenação “inter” e “intra” institucional. g) A falta de análise e avaliação de resultados das políticas públicas voltadas para mulheres. h) O paternalismo e/ou a gestão clientelista dos programas, não unicamente por parte institucional, mas de organizações que dizem representar as mulheres rurais. i) A falta de entendimento e adequação de políticas junto à diversidade da sociedade rural e das próprias mulheres rurais, particularmente nos povos indígenas.

Muito importante é destacar o tema da conservação e o aproveitamento racional dos recursos naturais junto à cultura de cuidados do meio ambiente e o desenvolvimento de capacidades para a separação e aproveitamento de resíduos considerados como “lixo”, mostrando-nos mais uma face da pobreza existente, altamente depredadora e danosa aos territórios rurais. As políticas voltadas para promover esse tipo de articulação para a coesão territorial requerem uma visão de gênero que possibilite o fomento a práticas de conservação e aproveitamento racional e integral dos recursos existentes, a rentabilidade social, a equidade de oportunidades, processos de democratização das instituições e entendimento do bem viver frente a visões consumistas depredadoras e muito danosas.

O desenvolvimento territorial requer que o Estado seja parceiro dos processos territoriais e, portanto, respeitoso para com os mesmos e efetivo no cumprimento de suas funções próprias como Estado na prestação de serviços, regulamentação da economia e fortalecimento da cultura democrática.

Nesse sentido, a aplicação do enfoque territorial deve se basear no investimento para a igualdade de oportunidades ser um princípio e uma prioridade comunitária e um fator estratégico de cidadania ativa que reforça o valor da democracia.

Precisamos promover a integração territorial das dimensões econômica, social e cultural. Isso significa aplicar uma visão global à multiplicidade de soluções locais que são necessárias no meio rural: 1) melhorar a qualidade de vida; 2) incrementar o valor agregado dos produtos locais; 3) revalorizar e potencializar os cuidados e o aproveitamento dos recursos locais e centrar nos cuidados do meio ambiente e dos ecossistemas existentes; 4) aproveitar os novos conhecimentos e tecnologias inovadoras para a diversificação e a pluriatividade; 5) facilitar e promover processos de participação representativa dos diversos setores da sociedade; e 6) desenvolver uma tarefa incansável em termos de capacitação e formação não formal para a inserção trabalhista produtiva e social que revolucione os processos de marginalidade recorrentes.

Requisitos para a igualdade de oportunidades
Alguns dos requisitos para a igualdade de oportunidades que podem ser mencionados são os seguintes:

Aumento da presença de mulheres rurais nos processos de desenvolvimento, seja de estruturas governamentais em programas de desenvolvimento, como promotoras de projetos ou como beneficiárias finais de fundos. Identificação e eliminação das discriminações reais sofridas pelas mulheres rurais. Adaptação das condições de trabalho às necessidades das mulheres, da família e da empresa. Diversificar as opções profissionais para as famílias e as mulheres. Incentivar sua participação em profissões emergentes. Fomentar a formação/desenvolvimento como critério para a aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de capacidades e habilidades das mulheres rurais. Formação de quadros multiplicadores de processos que possam ser replicados.
Recomendações
Levando em conta tudo o que foi dito, são feitas as seguintes recomendações:

Geração de âmbitos de análise e metodologias para a integração do gênero e o enfoque territorial. Sistematização e divulgação de experiências e boas práticas, bem como de casos concretos que evidenciem sua viabilidade e pertinência. Desenvolver metodologias para processos de empoderamento das mulheres para sua participação em políticas e na construção de alternativas de desenvolvimento comunitário e revalorização do meio rural como opção e qualidade de vida.

Medidas a serem tomadas
Faz-se necessário tomar medidas que conduzam ao seguinte:

a) Promover mecanismos de acesso a ativos em conformidade com as necessidades dos atores e grupos sociais, inclusive mecanismos de financiamento sustentável e culturalmente adequados, para o empreendimento produtivo gerador de empregos e receitas. b) Funcionamento de instâncias de encontro e convergência local das mulheres e de espaços mistos de mulheres e homens, para propiciar o intercâmbio de experiências, a reflexão, a capacitação, o acompanhamento, o monitoramento e a avaliação de seus processos de desenvolvimento e a promoção de sua transição a esquemas associativos e de cooperação mais desenvolvidos que fortaleçam as iniciativas locais autogestionadas para um desenvolvimento sustentável. c) A adaptação das condições de trabalho às necessidades das mulheres com políticas de participação e interação familiar para o fortalecimento das opções de desenvolvimento e das relações das mulheres com os homens e filhos. d) O fortalecimento da autonomia das mulheres empresárias para contratar e controlar a assistência técnica e a capacitação. e) A permanente formação de capital humano e de capital social. f) Fomento à cultura de corresponsabilidade e sustentabilidade por esquemas de economia, capitalização, reinvestimento e fortalecimento da autonomia, entre outros.

Finalmente, a revalorização das mulheres rurais e sua contribuição para a nossa sociedade está ligada, indiscutivelmente, à necessidade de revalorização do meio rural pelo Estado e a sociedade; e à urgente tarefa de repropormos um modelo diferente de desenvolvimento do México sob uma visão de construção comprometida com novas relações de solidariedade e vinculação entre os diversos setores da sociedade e com novas ferramentas para sanar os males gerados pela desigualdade e a injustiça, bem como conscientizar sobre a necessidade de um mundo harmonioso e mais amoroso.

A recuperação de saberes, valores, recursos naturais e humanos para um melhor aproveitamento e potencialização de toda a nossa diversidade cultural e sua biodiversidade para um desenvolvimento sustentável e harmonioso já não podem ser adiada, e nessa tarefa o papel das mulheres é indispensável.

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Nuria Costa Leonardo • Retos y oportunidades de las mujeres rurales en México Nuria Costa Leonardo

Diretora Geral da Rede Nacional de Mulheres Rurais (RENAMUR), Cuernavaca, México