Seção 1

Mulheres rurais na agenda...
A agenda das mulheres rurais

As mulheres rurais e as suas políticas, um assunto de igualdade

“É essencial considerar que entre os elementos comuns que caracterizam a vida das mulheres rurais na América Latina e no Caribe estão a sobrecarga de trabalho, dada a divisão de trabalho entre gêneros, que elas sejam responsáveis do cuidado dos filhos, dos idosos e dos doentes; a invisibilização do trabalho que elas realizam no âmbito reprodutivo, produtor e para o consumo próprio. O trabalho produtor realizado pelas mulheres rurais é considerado uma ajuda à casa e deveria ser reconhecido como um trabalho em si.”

Refletir sobre o marco inicial para a formação das políticas públicas que convocam as mulheres rurais com o objetivo de transformar as suas condições de vida implica, por um lado, fazer esforços para definir ou redefinir quem são as mulheres rurais e, por outro lado, quais são as novas dinâmicas e estratégias de vida dessas mulheres que moram no interior, ou vêm dele.

Partindo de um diagnóstico localizado de quem são e o que elas fazem poderíamos criar ações de politica publica que permitem abordar de forma pertinente as necessidades praticas e os interesses estratégicos dessas mulheres. Ter um diagnóstico, dados e analise sobre as mulheres rurais se converteu em uma boa ferramenta para visibilizar as brechas das mulheres rurais comparadas com as mulheres urbanas e com os homens rurais. Infelizmente, hoje em dia existe ainda uma falta geral de dados, não só separados por gênero mas também em zonas rurais e urbanas. Isso tem um impacto sobre a nossa capacidade de monitorar o progresso e criar políticas públicas apropriadas. Por tanto, é imperativo trabalhar para reduzir a descriminação estatística: os dados permitem ajudar de forma acertada a melhorar a qualidade de vida das populações vulneráveis como as mulheres rurais, porque somos conscientes de que a pobreza é feminizada, e mais ainda no setor rural.

As políticas públicas devem ser baseadas nos dados, só assim podemos criar linhas de ação pertinentes que tenham o enfoque necessário para superar os problemas específicos das mulheres rurais de cada região. Um dos grandes desafios da política publica é garantir a autonomia econômica e o empoderamento das mulheres rurais em âmbitos da vida como a participação comunitária, politica e cultural. Nobre e Hora (2017) explicam que o acesso a saúde, educação, assistência e segurança social, propriedade da terra e ao credito são fatores determinantes para que as mulheres possam se considerar membros da comunidade e se desenvolver como cidadãs.

Por que são importantes as políticas públicas para mulheres rurais?
A resposta está fundamentada na relação estreita entre a igualdade de gênero e o desenvolvimento, expressada na Agenda de Desenvolvimento Sustentável 2030. O desenvolvimento econômico e o processo pelo qual uma nação melhora o bem-estar econômico, politico e social da sua população. É assim que o desenvolvimento é concebido como a melhoria das condições de vida por e para as pessoas de forma equitativa para homens e mulheres.

No caso especifico das políticas públicas para mulheres rurais, há uma necessidade implícita de avançar processos de transformação e mudança nas condições de vida da sociedade rural (homens e mulheres). A transformação dessa sociedade está sujeita a políticas alheias a ela, e a planos internos das sociedades locais que pretendem utilizar os recursos internos e negociar recursos externos para essa mudança de condições de vida.

É só a traves da politica publica que podemos criar um plano de ação para articular todos os setores responsáveis pelo fortalecimento do campo para que tenham um enfoque de gênero, e assim assistam as mulheres. Se não trabalhamos explicitamente a favor das mulheres rurais nunca alcançaremos a igualdade, porque sabemos que o mercado sozinho não chegará em um equilíbrio de igualdade entre homens e mulheres no setor rural.

Dados os condicionantes exigidos para transformar a sociedade rural, o planejamento do desenvolvimento não deve ser realizado somente como um processo técnico, senão como um processo politico onde o conflito de interesses entre homens e mulheres esteja presente na negociação e que leve a um processo de transformação social estrutural, não a soluções pontuais e momentâneas para as necessidades práticas de homens ou de mulheres.

A igualdade produz melhoramentos na qualidade de vida tanto dos homens como das mulheres. Ver-se como iguais reduz a pressão social dos homens para serem os provedores da família e os níveis de violência que são fomentados neles começando na infância, e assim permite que eles aproveitem a sua vida familiar por completo. Ao mesmo tempo, a igualdade faz que as mulheres possam seguir e prosperar em diversos trabalhos, adiantar-se economicamente, ter poder de negociação dentro do lar para tomar decisões que favorecem a família, como o melhoramento da educação e da nutrição, e ter relações menos violentas.

Quem são as mulheres rurais?
Primeiro é necessário indicar que a tentativa de definir quem são as mulheres rurais ainda é um tema de debate e construção, com uma ampla gama de propostas, todas muito validas. Porem, com o fim de enriquecer o analise para tornar mais preciso o campo de ações das políticas públicas, apresento algumas considerações que podem limitar o alcance das estratégias de politica para esse setor da população.

A primeira tentativa: deve ser reconhecido que as mulheres rurais são um coletivo amplo com semelhanças e diversidades. Essa diversidade pode ser expressada, por uma parte, pelas atividades que elas realizam e por outra parte pelas inter-relações territoriais e culturais que definem elas como tais.

O que deveríamos saber sobre as suas atividades?
Dadas as atividades que elas realizam a maioria das definições separam elas segundo a premissa de que a sua atividade produtiva está relacionada diretamente com o rural, mesmo se essa atividade não é reconhecida pelos sistemas de informação e medidas do Estado ou se não é paga.

Dessa consideração concluímos que são agricultoras, colhedoras, pescadoras, amas de casa, assalariadas em empresas rurais agrícolas, participantes inclusive em atividades não-agrícolas como agroindústrias e microempresas, além de outras atividades desempenhadas no marco de uma perspectiva mais ampla de “ruralidade”, como o turismo rural e ecológico, a parte organizativa de cadeias agroprodutoras e comerciais, a transformação de metais e pedras preciosas, o artesanato e novos campos de oportunidade como atividades de comércio e a transformação de produtos e prestação de serviços que giram em torno a elas. (Congresso da Republica de Colômbia, 2002)

Por outra parte, é essencial considerar que entre os elementos comuns que caracterizam a vida das mulheres rurais na América Latina e no Caribe estão a sobrecarga de trabalho, dada a divisão de trabalho entre gêneros, que elas sejam responsáveis do cuidado dos filhos, dos idosos e dos doentes; a invisibilização do trabalho que elas realizam no âmbito reprodutivo, produtor e para o consumo próprio.

O trabalho produtor realizado pelas mulheres rurais é considerado uma ajuda à casa e deveria ser reconhecido como um trabalho em si. O desafio é visibilizar o trabalho que as mulheres já realizam e os conhecimentos ligados a esse trabalho, além de ampliar as suas possibilidades de escolha sobre o que elas vão fazer e como, e a apropriação dos resultados.

Onde elas estão localizadas?
Dada a inter-relação territorial, é necessária uma visão longitudinal que acompanha o ciclo de vida das mulheres e suas gerações. Existem etapas em que migram para as cidades ou até para outros países, porem não perdem o laço com o interior, por exemplo investindo recursos monetários na unidade de produção onde esperam voltar quando seja possível. Também há, com o passo das gerações, filhas e netas de agricultores jovens que desejam voltar para o interior.

Assim também as novas dinâmicas de conformação dos territórios obrigam a revisão da relação cada vez mais interdependente entre o que consideramos rural e urbano, especificamente dos laços que são estabelecidos pela localização da moradia, o lugar e o alvo do trabalho.

A conformação de territórios rururbanos e as práticas de agricultura urbana são exemplos concretos dessas dinâmicas. Os territórios rururbanos são espaços perto das cidades com atividades agropecuárias de tipo industrial, com atividades terciarias como serviços de hospedagem, descanso e recreação, e com a presença de bairros e condomínios com pessoas de origem urbana com maior poder de compra que valoram muito as condições ambientais rurais e levam todos os serviços públicos aos que possam ter acesso em uma cidade.

Pela sua parte, a agricultura urbana é uma pratica que tem origem na migração da população camponesa para a cidade por diferentes motivos. Essa população leva às grandes urbes os seus conhecimentos sobre atividades agrícolas. Hoje em dia, essa pratica está amplamente difundida na população, para o consumo próprio e também devido à necessidade de produzir alimentos saudáveis, melhorar a segurança alimentar. Esse método de produção tem como característica o uso de espaços reduzidos e o aproveitamento simultâneo de materiais de reuso e reciclagem disponíveis no lar (Jardim Botânico de Medellín, 2013).

É importante considerar que esses novos territórios e práticas de produção, com a ampla participação de mulheres, ficam fora dos lineamentos da politica publica frequentemente; porém, definem padrões culturais como a preservação da cultura camponesa nas cidades e a inclusão de hábitos de vida urbanos no interior.

Que fatores afetam a mulher rural?
A partir do analise da sua interação social, as mulheres rurais para o caso colombiano (caso que pode ser aplicado a muitos países), sofrem e sofreram historicamente de uma descriminação estrutural, por serem rurais e por serem mulheres. Em alguns casos convergem adicionalmente com uma terceira descriminação ligada com pertencer a um grupo étnico e uma quarta por ser vitimas do conflito armado. Por isso é possível que elas enfrentem, simultaneamente, até uma descriminação quádrupla. (PNUD, 2011, pg. 15)

A primeira descriminação está relacionada com a sua condição de habitante rural – uma situação que afeta as mulheres e os homens do interior de forma igual. Existe uma profunda brecha em relação ao acesso a bens e serviços sociais com respeito äs possibilidades dos habitantes de zonas urbanas na áreas de saúde, educação, agua potável, saneamento básico, eletrificação, vias de comunicação, áreas recreativas, serviços de cuidado, acesso ä ferramentas tecnológicas, acesso ä justiça, entre outros.

O fato de serem mulheres constitui outro tipo de descriminação, o tratamento histórico, cultural e socioeconômico que elas recebem é uma desvantagem comparado com os homens do interior. Isso significa maiores índices de pobreza, formas de participação limitadas, rendas inferiores, menores possibilidades de inserção ao mercado de trabalho e ao sistema de educação, barreiras no acesso ä justiça, oportunidades de participação em programas de adjudicação e formalização de terras reduzidas: em geral persistem condições que limitam a sua autonomia e a construção da sua cidadania. A brecha entre gêneros é mais pronunciada ainda no interior do que nas cidades.

Um terceiro cenário de descriminação tem a ver com características étnicas e raciais, um fator determinante com respeito às condições de vida, oportunidades e inserção social às esferas políticas, econômicas e culturais das mulheres afrodescendentes, indígenas e do povo Rom. Finalmente agregamos o fato de que certos fenômenos violentos como a expulsão, a violência sexual e o recrutamento tem um impacto diferenciado e desproporcional nas mulheres rurais.

Não devemos esquecer as jovens
Segundo a FAO (2017) entre os jovens de 15 a 29 anos existem altos índices de migração ä cidade, principalmente de mulheres entre 15 e 29 anos. Os jovens que continuam morando no interior aumentaram a sua educação formal e o contato com as tecnologias informáticas, fato que pode ajudar a mudar as suas expectativas ante a vida.

A FAO (2017) também indica que na América Latina e no Caribe 51,3% das jovens e 29,9% dos jovens que trabalham no setor agrícola não recebem pagamento. Os jovens assalariados, assim como os adultos, tem salários menores, expedientes mais longos e condições mais duras de trabalho. As jovens tendem a trabalhar mais horas em total, e menos horas renumeradas. Seu papel no trabalho domestico significa que é alta a proporção entre aquelas que nem estudam nem trabalham, já que o trabalho doméstico não é considerado uma atividade econômica nas estadísticas oficiais (Nobre e Hora, 2017).

Não dispor de renda própria faz com que as jovens mantenham uma forte dependência do pai ou do companheiro, o que leva muitas vezes a situações de controle ou abuse de poder que terminam em casos de violência.

Uma pesquisa sobre a juventude rural e emprego decente na América Latina (FAO, 2016) mostra que “as jovens que trabalham no lar são um dos grupos mais vulneráveis ä pobreza, dado que elas não tem trabalho renumerado, nem estudam, nem são reconhecidas pela sua contribuição ao lar, não tem muitas perspectivas de crescimento pessoal, nem de participar em organizações sociais ou passatempos lúdicos.” Essas condições também restringem a sua capacidade aquisitiva de fatores de produção como a terra, mão de obra, capital de trabalho. Por tanto a sua participação em atividades de produção é muito baixa e isso é uma grande motivação para abandonar o interior.

Agora sim: formulemos políticas
Para dispor das variáveis já mencionadas, em uma tentativa de definir a mulher rural com referencia a o que elas fazem, onde elas estão, que fatores a afetam e as condições particulares das jovens rurais, é preciso que os governos realizem maiores investimentos para preencher os vazios de dados e dar seguimento aos avanços na implementação de ações de politica.

Reunir dados supõe um grande desafio na hora de medir as normas sociais discriminatórias para as mulheres rurais, dado principalmente uma percepção amplamente difundida de que as normas sociais não podem ser quantificadas. Uma boa ferramenta que os Estados deveríamos usar é o Índice de Instituições Sociais e Gênero (SIGI) da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que mostra que as leis formais e informais, as normas e praticas sociais que restringem o acesso das mulheres e das meninas aos recursos e oportunidades de empoderamento, definidos como instituições sociais discriminatórias, pioram as disparidades de gênero no setor agropecuário (Ramos 2018).

A traves da medição das leis (formais e informais), as atitudes, as normas e as praticas discriminatórias de todas as regiões de um país podemos ver não só os efeitos da descriminação de gênero, pobreza e marginalização das mulheres, senão também como essa descriminação interage com uma variedade de fatores, assim como as diferenças rurais-urbanas ou níveis de educação.

Consequentemente, com a informação juntada é necessário fazer uma avaliação nacional e territorial da oferta disponível das instituições para a mulher rural e a capacidade institucional de adequar essa oferta, assim como a necessidade de implementar novos programas ou ampliar os existentes.

Com o fim de harmonizar as ofertas institucionais com a realidade da mulher rural é imperante fomentar a participação das organizações de mulheres rurais no seguimento, ajuste e na criação de programas de desenvolvimento rural dirigidos às mulheres.

Finalmente, propor que na designação de recursos do governo central aos governos territoriais, um dos critérios seja a igualdade de oportunidades para mulheres rurais e incluir uma porcentagem do investimento na infraestrutura social. Isso asseguraria um nível alto de implementação das políticas públicas para as mulheres rurais.


Congreso de la República de Colombia. (2002). Ley de Mujer Rural. Ley 731 de 2002. Bogota, Colombia: Congreso de la República de Colombia.
Jardín Botánico de Medellín. (2013). Jardín Botánico de Medellín. Recuperado el 09 de 04 de 2019, de https://www.botanicomedellin.org/servicios/educacion-y-cultura/agricultura-urbana
Nobre, M., & Hora, K. (2017). Atlas de las Mujeres Rurales de América Latina y el Caribe: Al Tiempo de la Vida, Los Hechos. Santiago de Chile: FAO.
PNUD. (2011). Mujeres Rurales Gestoras de Esperanza. Bogotá: PNUD.
Ramos, G. (2018). Mujeres rurales: haciendo visible lo invisible. En I. I. IICA, “Lutadoras Mujeres rurales en el mundo:28 voces autorizadas”. IICA.

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Susana Balbo • Es hora de visibilizar a las mujeres rurales Marta Lucía Ramírez de Rincón

Vice-presidenta da República da Colômbia