A mulher rural no desenvolvimento sustentável
Trabalhemos para que as mulheres rurais possam influenciar na construção de um país melhor
Parte importante do desenvolvimento da humanidade e da realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) está baseada na relação entre gênero e segurança alimentar, duas questões importantes que, separadamente, garantem um futuro mais próspero para a humanidade, mas que, em conjunto, formam uma área de ação estratégica para o bem-estar daqueles que habitam o nosso planeta.
Talvez ambos os temas sejam diferentes para alguns; no entanto, a participação da mulher na agricultura é de interesse estratégico, devido ao seu impacto decisivo e benefício que reflete diretamente na família.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) colocou grande ênfase na importância da mulher como pedra angular da economia rural, especialmente para os países da América Latina e do Caribe.
É por isso que a mulher rural depende do apoio decisivo das políticas públicas para poder fazer a transição para a produção intensiva e industrializada; para que possa ter seguranças ante as ameaças potenciais a seu cultivo; e para poder se inserir, de forma equânime, nos mercados de produção.
Um estudo que aborda esse tema — publicado em 2012 pela FAO — propõe o seguinte: “A formulação e o fortalecimento de políticas públicas, bem como a instalação de estruturas formais nas instituições que trabalham o setor rural, são propostos como solução para resolver os hiatos mencionados, de modo que homens e mulheres tenham um tratamento equitativo na implementação de projetos e programas sociais sustentáveis.”
Ao analisar alguns fatos que conhecemos e que são o reflexo da grave situação das mulheres na economia rural, nós nos damos conta de que elas têm uma participação mínima na titularidade das explorações agrícolas e, quando chegam a ser titulares da terra, seus lotes são menores e de menor qualidade do que os dos homens. Além disso, a qualidade dos plantios das mulheres é menor, por não terem acesso a insumos e tecnologias como os homens, o que limita a sua capacidade de produção.
As mulheres se veem obrigadas a envolver seus filhos homens entre 5 e 14 anos na capina, o que resulta no aumento dos índices de trabalho infantil. As mulheres só recebem 10% da ajuda total destinada à agricultura, às atividades florestais e à pesca, ao mesmo tempo em que têm um menor acesso ao crédito em comparação com os homens.
Em consequência, o hiato do rendimento entre agricultores e agricultoras se situa entre 20% e 30%, semelhante ao hiato existente no âmbito salarial entre homens e mulheres. Se esse hiato for fechado, o aumento na produção feminina poderia resultar em alimentos para 150 milhões de pessoas em todo o mundo.
Não se pode deixar de mencionar, igualmente, que os índices de analfabetismo são maiores entre as mulheres rurais; e o número médio de anos de instrução escolar é muito menor que o dos homens. Como propôs o antigo Secretário Geral da ONU, Bam Ki-moon: “Coletivamente, as mulheres rurais são uma força que pode promover o progresso em nível mundial”. Trabalhemos para que essa força possa incidir na construção de um país melhor, com equidade e sustentabilidade.
A questão ética
Qualquer reflexão sobre um tema tão importante como a segurança alimentar não pode deixar de lado o papel da mulher rural na Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável: a mulher rural na América Latina e no Caribe é um pilar da agricultura de pequena escala, do trabalho camponês e da subsistência familiar cotidiana.
Vivemos em um mundo onde prima um uso e uma exploração egoísta dos recursos postos à nossa disposição, o que torna insustentável a vida para o futuro do planeta Terra, como nos recorda o Papa Francisco em sua encíclica “'Laudato si’ Sobre o cuidado da casa comum”.
É um insulto à dignidade humana e um problema ético que centenas de milhões de pessoas sofram de desnutrição e escassez de alimentos, enquanto no mundo são desperdiçadas 1.300 milhões de toneladas de alimentos ao ano, o suficiente para erradicar a fome.
Em consequência, é urgente embarcarmos na tarefa de propiciar mecanismos que assegurem a disponibilidade e o gozo de uma alimentação adequada, imprescindível para a vida e o desenvolvimento humano, ao mesmo tempo em que cuidamos dos recursos que tornam possível a existência dos seres vivos no planeta.
Isso não se pode ser alcançado virando-se as costas para metade da população, esse motor de mudança que são as mulheres e, acima de tudo, não se pode ser alcançado virando-se as costas para as mulheres que trabalham dia a dia no campo. Porque sem a mulher rural não haverá segurança alimentar.
A região dispõe de um amplo conjunto de documentos que são o reflexo de acordos importantes no âmbito regional e que fixam um roteiro para a integração plena da mulher na matriz produtiva.
Um deles é a Estratégia de Montevidéu, adotada no âmbito da décima terceira Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe, da CEPAL, que propõe a valorização e o reconhecimento da contribuição econômica do trabalho agrícola da mulher.
A radiografia da mulher, proposta no mencionado documento, sugere que as famílias mais pobres, chefiadas por mulheres em mais de 60%, vivem em terras marginais e não se beneficiam dos avanços tecnológicos vinculados à produção de variedades de alto rendimento. Elas não dispõem dos recursos necessários para adquirir fertilizantes, pesticidas e combustível; enfrentam grandes desafios técnicos que lhes impedem de se inserir nas cadeias de produção e comercialização e estão obrigadas a duplicar seus esforços, para poder avançar.
A preocupação leva à ação
Existe uma preocupação sobre a segurança alimentar, sobre as dificuldades que muitos enfrentam para obter alimentos para garantir a nutrição adequada dos cidadãos. Essa preocupação deve ser convertida em um plano de ação para trabalhar com as mulheres rurais que inclua estratégias de acompanhamento sociofamiliar e de vinculação a intervenções de desenvolvimento, sob um enfoque de liderança comunitária e de participação social da mulher.
Para isso, é necessário promover a agricultura familiar, a formação profissional, a produção agrícola, o cooperativismo, a inclusão financeira e o acesso a crédito como estratégias de saída de pobreza que permitam às mulheres rurais criar suas capacidades para empreendimentos com base nos recursos locais e na sustentabilidade ambiental.
Também é necessário apoiar empreendimentos associativos de mulheres na produção de estufa, vermicultura, piscicultura, plantio de árvores frutíferas, produção de alimentos e produção artesanal.
Todas as estratégias de intervenção voltadas para mulheres rurais devem estar baseadas em um enfoque de direitos, de atenção aos ciclos de vida e de prevenção à violência contra a mulher.
Como disse Madre Teresa de Calcutá: “Juntos, podemos fazer grandes coisas”.
Empoderar à mulher rural nos ODS
Toca-nos agora explorar como a Agenda 2030 pode servir para promover a mulher rural e empoderá-la nos desafios que enfrenta.
A mulher rural é um agente de transformação que realiza uma enorme contribuição que hoje é invisível à opinião pública e aos grupos de interesse. Hoje em dia, a mulher rural assume uma carga excessiva de atividades de cuidados sem remuneração nem reconhecimento, está exposta a padecer maiores desigualdades e violências e a sua valorização social é menor do que a do homem.
É inadiável a necessidade de exaltar a importância da mulher rural como gestora na reconstrução do tecido social da zona rural.
Em países em desenvolvimento, as mulheres do campo desempenham um papel importante como produtoras de alimentos e geradoras de receitas, um papel que a FAO e o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) consideram vital para o futuro da humanidade e que consideram que cheguem a 45% da produção de alimentos na América Latina e no Caribe.
Em consideração a essa realidade, cabe aos organismos coordenadores da implementação dos ODS em cada país, apoiados pelas instituições relacionadas à agricultura, gerar os espaços de diálogo e participação necessários que permitam identificar as ações requeridas para empoderar a mulher rural.
Com o apoio decisivo de organismos internacionais, é possível dissipar a vulnerabilidade da mulher rural latino-americana para transformar as estruturas de poder e os costumes sociais que historicamente têm caracterizado as zonas rurais e que levam essas mulheres a sofrer uma dupla marginalização: por ser mulheres e por ser rurais.
A oportunidade de mudança que a Agenda 2030 nos outorga servirá para promover um novo paradigma no desenvolvimento rural, o impulso de uma sociedade onde a mulher rural não seja nem inferior nem superior ao homem, mas possa cultivar as qualidades que constituem sua força e valor, uma nova mulher rural com capacidade para aperfeiçoar a comunidade onde vive.