Seção 1

Mulheres rurais na agenda...
A agenda das mulheres rurais

O empoderamento das mulheres
nos entornos rurais:
avanços e desafios no contexto da Agenda 2030

Nunca como agora, o mundo precisa
de um potente movimento feminista rural

Em outubro, a comunidade internacional comemorará três datas fundamentais para entender a relevância atual e futura de novos aspectos da agenda global sobre o desenvolvimento sustentável. Nos dias 15 e 17 de outubro próximo, a Organização das Nações Unidas celebrará, como faz desde o ano 2008, o Dia Internacional das Mulheres Rurais, o Dia Mundial da Alimentação e, finalmente, o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Os três eventos estão estreitamente vinculados, não só sob o ponto de vista cronológico, mas fundamentalmente por um eixo transversal que propõe a relevância do trabalho feminino no âmbito rural e o empoderamento das mulheres rurais para a produção de alimentos, a erradicação da pobreza e a luta contra a desigualdade em um entorno especialmente desafiador para cumprir os 17 grandes Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para o ano 2030.

Essa nova visibilidade do papel das mulheres nos espaços rurais, algo que também é evidente na literatura, na cinematografia, nas artes cênicas e no desenvolvimento de novas linhas de pesquisa nas ciências sociais e humanidades, está relacionada a uma crescente valorização de seu potencial como agentes que desencadeiam o desenvolvimento econômico e o investimento, a mudança social, a proteção do meio ambiente e muitos outros efeitos positivos para o bem-estar das sociedades não urbanas. No âmbito regional, essas foram precisamente as conclusões mais importantes da Conferência da Mulher Rural na América Latina e no Caribe (Brasília, 2014) e da XIII Conferência Regional da Mulher (Montevidéu, 2016), as quais implementaram a campanha chamada Mulheres Rurais que enquadrou esse esforço no intercâmbio e divulgação de experiências, boas práticas, políticas, mecanismos inovadores e ações especificamente orientadas para o fortalecimento do papel das mulheres rurais, a defesa de seus direitos e o fomento à participação das mulheres no desenvolvimento sustentável de seu entorno.

Em termos gerais, as mulheres representam 40% da força produtiva do planeta e seu envolvimento presente e futuro na atividade econômica das nações do mundo é visto como fundamental, posto que os setores decisivos para o crescimento competitivo nos países em desenvolvimento dependem, em grande proporção, do trabalho feminino. Nos denominados mercados emergentes, de acordo com o Banco Mundial, as mulheres são proprietárias de aproximadamente 37% de todas as pequenas e médias empresas. Isso inclui os agronegócios, onde se multiplicam muitos dos desafios que enfrentam as mulheres na atividade econômica. As mulheres rurais compõem até dois terços dos 800 milhões de pessoas analfabetas no planeta.

Como se bem sabe, o setor agroalimentar tem um caráter estratégico para o futuro da população mundial. Em primeiro lugar, em 2050, a população mundial alcançará incríveis 9.600 milhões de pessoas, o que significará um aumento substancial na demanda de alimentos em âmbito global. Conforme diversas estimativas realizadas por instituições como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, por sua sigla em inglês) para satisfazer essa demanda, será necessário um aumento de pelo menos 70% da produção alimentar atual. Para isso, devem ser utilizados não apenas os avanços tecnológicos mais importantes nas últimas décadas, mas também e de maneira decisiva, as políticas públicas que, em âmbito global, favoreçam o empoderamento, a capacitação, a igualdade jurídica e condições substancialmente melhores às atuais, em que a discriminação contra as mulheres continua sendo um elemento predominante.

Os níveis de exclusão das mulheres nos entornos rurais costumam ser consideravelmente maiores que os registrados em zonas urbanas. As disparidades de gênero são especialmente profundas e histórica e culturalmente enraizadas em termos de posse da terra (não mais de 20% do total da posse da terra cultivável no planeta é propriedade de mulheres), acesso a recursos produtivos e a serviços financeiros. Conforme o Global Findex, um banco de dados que dispõe de informações de 148 países em termos de economia e crédito, as mulheres estão em menor proporção como titulares de contas bancárias do que os homens. Nos países em desenvolvimento, as mulheres têm um acesso geralmente mais restrito ao crédito (pelo menos 20% menos que os homens) e ainda, em diversos países, se obtêm um, precisam da autorização de um homem da família, têm menor acesso a outros serviços financeiros como poupança, seguros e meios digitais de administração de seus recursos.

Mais ainda, no entorno rural, existem obstáculos culturais que impedem que as mulheres possuam gado, tomem decisões financeiras por elas mesmas ou sejam beneficiárias de ações públicas no contexto de programas de financiamento rural que parecem ter sido criados para as necessidades e os requisitos que normalmente podem cumprir os pais de família. Conforme a FAO, reduzir as desigualdades de gênero no campo tão somente em relação ao acesso a recursos, serviços e empregos poderia aumentar a produção agrícola em mais de 4% e ajudar, com isso, a reduzir o número de pessoas que sofrem de fome em aproximadamente 150 milhões. Convém recordar que, de acordo com estudos recentes realizados na América Latina, na África e no Sudeste Asiático, as mulheres atribuem uma proporção maior de suas receitas ao lar e a seu entorno familiar do que os homens. Isso tem implicações relevantes no âmbito rural, onde as disparidades de receita entre gêneros, as taxas de desocupação das mulheres e o volume de trabalho não remunerado que realizam alcançam dimensões ainda maiores do que nos entornos urbanos.

Mas o empoderamento das mulheres rurais também passa por lhes garantir pleno acesso a oportunidades educativas e de capacitação. A integração das mulheres rurais à educação formal, assim como a seminários tecnológicos e formação agrícola de vanguarda, tem se mostrado ser fundamental para lhes proporcionar as habilidades e os conhecimentos necessários para que engrossem as fileiras de uma nova geração de empresários do setor agrícola conscientes do meio ambiente e da importância das energias renováveis, determinados a melhorar a qualidade de vida de suas comunidades e conscientes de seu papel para garantir a segurança alimentar. Felizmente, embora ainda existam desafios formidáveis nesse sentido, começam a ser apresentados exemplos bem-sucedidos. Na Índia, agências das Nações Unidas conseguiram que amplos grupos de mulheres rurais recebessem capacitação para dominar a engenharia solar e aplicá-la na iluminação de suas comunidades e aproveitá-la em seus campos de cultivo. No Egito, uma nova geração de microcréditos para as mulheres chefes de família no campo está fazendo uma enorme diferença ao vir acompanhada de iniciativas de capacitação copatrocinadas pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e, na América Latina, o empreendimento da mulher rural teve resultados cada vez mais relevantes na Costa Rica, no México, no Brasil, na Bolívia, na Guatemala e no Paraguai.

O tema da vinculação entre o trabalho rural feminino e a segurança alimentar também oferece um campo fértil para a ação. Na denominada agricultura de autoconsumo e na agricultura familiar, as mulheres tomam parte ativa nas primeiras etapas de toda a cadeia produtiva, desde a preparação da terra para plantio até a coleta da colheita. O fazem, porém, padecendo de uma posição estruturalmente desvantajosa, dado que menos de 40% das mulheres rurais maiores de 15 anos recebem receitas por essa atividade. Segundo uma análise do Programa Mundial de Alimentos (PMA), em boa medida isso é resultado, por um lado, de um limitado acesso à propriedade e acesso a ativos de subsistência, como a terra e o crédito, mas também à energia e à água e, pelo outro, de seu menor envolvimento na comercialização dos produtos agrícolas e processos associados ao transporte e à infraestrutura de distribuição. As políticas especificamente voltadas para encerrar esses hiatos têm recebido, por isso, uma especial atenção por parte da FAO e de outras agências. Não deixa de surpreender, entretanto, que 43% dos postos de trabalho na produção de alimentos de países em desenvolvimento sejam ocupados por mulheres, o que converte seu trabalho em um instrumento para a segurança alimentar.

Desde a publicação do relatório do Secretário Geral da Organização das Nações Unidas intitulado “O empoderamento das mulheres rurais e seu papel na erradicação da pobreza e da fome, no desenvolvimento e nos desafios atuais”, em 2015, os esforços nessa direção têm se multiplicado consideravelmente. De maneira recente, a Iniciativa América Latina e Caribe Sem Fome, como parte de uma colaboração da Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe (CELAC) com autoridades da FAO e outras agências regionais, como a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), adotou um Plano para a Segurança Alimentar, a Nutrição e a Erradicação da Fome 2025, a partir do qual a região gerou uma nova consciência a esse respeito. Donde a nova Lei de Agricultura Familiar que, na Guatemala, dispõe de orçamentos específicos para atender as desigualdades de gênero, a Lei de Políticas Públicas para Mulheres Rurais, no Paraguai, que adota o princípio da garantia do acesso ao crédito, à terra, ao mercado e ao comércio justo, e, mesmo, a criação de uma nova Direção da Mulher Rural, do Ministério da Agricultura da Colômbia, e a inclusão, no Plano de Igualdade de Gênero da Costa Rica, de meios de visibilidade e articulação das demandas e oportunidades para o desenvolvimento de microempresas para as mulheres rurais.

Com efeito, o segundo objetivo da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável está relacionado à eliminação da fome, ao alcance da segurança alimentar, à melhoria da nutrição e à promoção da agricultura sustentável. Para atingir esse objetivo, assim como o quinto, em termos de igualdade de gênero, o empoderamento da mulher rural contribui diretamente, assim como para outro, verdadeiramente fundamental, que não necessariamente recebe atenção suficiente. Refiro-me ao terceiro, que evoca a necessidade de garantir uma vida saudável e promover a saúde para todos em todas as idades, combatendo especificamente a mortalidade infantil e materna. A vulnerabilidade, em termos de acesso a serviços médicos adequados, representa uma barreira fundamental para o exercício pleno dos direitos das mulheres rurais e um obstáculo frequentemente intransponível para o desenvolvimento de todas as suas potencialidades. O fornecimento de serviços médicos suficientes e especializados deveria, portanto, receber uma atenção prioritária em todos os esquemas de empoderamento da mulher rural.

Mas, no contexto da vinculação de esforços com a agenda de desenvolvimento global, é evidente que muitas outras iniciativas precisam ser propostas. Refiro-me, em primeiro lugar, à promoção da sua organização em cooperativas ou associações para garantir sua participação equitativa na tomada de decisões. Empoderar também significa assegurar una participação crescente da liderança feminina rural nos órgãos para a decisão pública em todos os níveis. Implica também, para isso, gerar melhores indicadores para medir o rendimento das políticas públicas focalizadas nisso, enfrentar as diversas formas de violência política e patrimonial contra as mulheres e promover sua participação nos processos de comercialização e distribuição de produtos agrícolas. Convém recordar que as mulheres rurais não são somente mulheres agrárias, dado que, para além da atividade agropecuária, são parte central das cadeias de valor de produção de alimentos e colocam em operação micronegócios.

Não menos importante, porém, deve ser sua plena incorporação às deliberações que, em benefício de sua situação, a comunidade internacional empreende, especialmente no âmbito dos organismos internacionais. Nunca como agora, o mundo precisa de um potente movimento feminista rural. Nós contribuímos para isso e para aumentar a relação entre a mulher e a terra como eixo central das políticas públicas deste século.

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Laura Chinchilla Miranda • El empoderamiento de las mujeres en los entornos rurales: avances y desafíos en el contexto de la Agenda 2030 Laura Chinchilla Miranda

Ex-presidente da República da Costa Rica