A desigualdade é o nosso maior desafio
O Panamá tem uma das taxas mais elevadas de mulheres produtoras agrícolas da América LatinaDurante 15 anos, trabalhei com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), onde pude conhecer, em primeira mão, a importância que os diversos setores têm no desenvolvimento nacional. Em seguida, ao dirigir o Acordo Nacional para o Desenvolvimento (CCND), confirmei o anterior, enquanto constituíamos um roteiro inclusivo que servira de orientação nacional com uma visão do desenvolvimento a longo prazo.
Celebro a oportunidade que me hoje oferecida para escrever sobre esse tema, que entrelaça dois objetivos que têm definido minha carreira profissional, os quais são alcançar o desenvolvimento sustentável e a equidade de gênero, a fim de fornecer oportunidades para todas as pessoas.
A equidade de gênero é, para mim, uma prioridade tanto em nível pessoal como profissional. Além da justiça, dos direitos ou do equilíbrio social, a evidência demonstra que se o hiato de gênero, tão somente na economia, melhorasse 25%, em 2025, o Produto Interno Bruto (PIB) mundial poderia aumentar 5,3 bilhões de dólares, de acordo com o Fórum Econômico Mundial. Melhorias na economia da mão de obra com equidade de oportunidades garantem uma melhor distribuição das riquezas, o que nos aproxima da eliminação de hiatos alarmantes, como a pobreza.
É um segredo aberto que as mulheres não têm a mesma oportunidade de aspirar a cargos como os homens. Historicamente, a mulher tem ocupado um status de segunda categoria na sociedade. Não foi senão até o século passado que ela obteve o direito à educação, ao voto, a poder aspirar a cargos públicos e a uma licença de maternidade.
Um claro exemplo que demonstra essa falta de equidade é a obrigação implícita que recai na mulher de atender ao lar e à família, o que a leva a ter menos tempo para seu desenvolvimento profissional. Atualmente, ainda persiste a crença de impor uma obrigação a um gênero sobre o dever pelos cuidados, quando é óbvio que compartilhá-los beneficia a todos.
No entanto, a corresponsabilidade nas tarefas do lar para um grupo como as mulheres rurais é uma meta quase inimaginável. Os papéis de gênero, estabelecidos pela cultura e a sociedade, prevalecem com firmeza nesse setor da população, trazendo como resultado mulheres unicamente dedicadas à esfera reprodutiva, bem como aos cuidados com crianças e idosos, tarefas que não são remuneradas.
As mulheres rurais enfrentam situações ainda mais desfavoráveis do que as atravessadas pelo restante do gênero e os que se desenvolvem no âmbito rural.
As mulheres chefes de família representam menos de 25%, embora entre 2002 e 2014 tenha sido registrado um aumento de 40% na proporção de lares rurais encabeçados por mulheres. Além disso, três quartos desses lares são classificados como inativos em termos trabalhistas ou em agricultura autônoma. Tudo isso gera um impacto direto na situação econômica das mulheres rurais, que se vê refletida nos baixos números de participação, que alcança apenas 45%, enquanto os homens rurais ficam em 81%.
O setor agropecuário no Panamá representa uma baixo percentagem do PIB, mas é o setor que mais gera empregos. Isso define a sua importância e o apoio que lhe deve ser oferecido com o objetivo de fortalecê-lo. É precisamente com esse fim que essa administração promoveu o programa Panamá Exporta, que tem como propósito promover, pela capacitação, assessoria e assistência técnica, o aumento, a diversificação das exportações agroalimentares do Panamá e a vinculação de agroempresários aos mercados de exportação. O anterior, mediante uma marca centrada na promoção de uma cultura exportadora de qualidade que posicione os produtos panamenhos no mercado internacional sob um selo de excelência.
Grande parte das mulheres rurais que desempenham um papel profissional se dedicam ao setor agropecuário. Cabe mencionar que o Panamá tem uma das taxas mais elevadas de mulheres produtoras agrícolas da América Latina.
No entanto, nos últimos dez anos, temos registrado no Panamá um aumento importante na incorporação de mulheres rurais no mercado de trabalho. Além disso, uma maior diversificação nos trabalhos às quais se dedicam, deixando de lado o setor agropecuário, ao entrar no setor de fabricação, em serviços sociais, no comércio, no ensino, na saúde, no trabalho doméstico e em turismo.
Iniciativas panamenhas a favor das mulheres rurais
Levando em conta os desafios que as mulheres rurais ainda têm para buscar a superação pessoal e profissional, a República do Panamá, por suas instituições governamentais, implementou várias iniciativas.
Em termos de empoderamento da mulher rural, a Direção de Desenvolvimento Rural do Ministério do Desenvolvimento Agropecuário (MIDA) realizou, em 2017, o IV Encontro Latino-Americano e do Caribe de Mulheres Rurais (ENLAC), cujo objetivo foi promover a discussão sobre os principais problemas que tangem as mulheres rurais dos diferentes países da América Latina e do Caribe. Alguns dos temas foram: a realização da Agenda 2030, as implicações da mudança do clima, a proteção dos direitos humanos das mulheres rurais e as tecnologias da informação e comunicação (TIC) como ferramentas de gestão e empoderamento. O MIDA, por sua vez, oferece diariamente assistência técnica a 200 organizações de mulheres rurais localizadas no Panamá. Pelo Projeto de Transferência de Oportunidades, são abertas portas para as mulheres rurais de recursos escassos para diminuir os níveis de pobreza.
Por sua vez, o Escritório de Gênero do Ministério do Trabalho e Desenvolvimento Social (MITRADEL), em conjunto com o Instituto Nacional da Mulher (INAMU) e outras instituições, têm ministrado, em âmbito nacional, diversos seminários de formação e conscientização para as mulheres nas comunidades e áreas rurais. Entre os temas tratados nas capacitações, podemos destacar: habilidades leves para artesãos, redução dos hiatos de gênero, autoestima, empoderamento, custo e investimento, elaboração de planos de negócio, desenvolvimento de talentos humanos, saúde sexual e reprodutiva, estilo de vida saudável e atenção primária de saúde. As capacitações têm como objetivo formar microempresárias para fortalecer a autonomia econômica das mulheres, ajudando-as a sair do autoconsumo e a se orientar para a produção para o mercado.
Além disso, o INAMU e o MITRADO implementaram a iniciativa chamada “Tú puedes mujer”, na qual as mulheres são capacitadas no cultivo de hortaliças, em como iniciar seus próprios negócios e no processamento de pescados e mariscos. O INAMU, juntamente com a Autoridade da Micro, Pequena e Média Empresa (AMPYME), também executam o projeto “Criando oportunidades para as mulheres” que busca capacitar as mulheres rurais em termos de planos de negócios. Ao finalizar a capacitação, podem acordar para receber capital semente que lhes permita abrir seu primeiro negócio.
Os governos devem implementar políticas públicas focadas em diminuir os hiatos de gênero, inclusive a essas mulheres, em sua formulação e permitindo sua participação na liderança política. Devemos incentivar que adquiram mais direitos sobre a propriedade, assegurar o acesso ao crédito e financiamento, o aumento da participação em cadeias de produção e a distribuição de produtos, apoiar o fortalecimento das organizações de mulheres rurais, para mencionar algumas ações necessárias. Essas políticas públicas, além disso, devem levar em conta as particularidades da mulher rural e da mulher indígena. Seu idioma, educação, cultura, tradições e crenças devem ser considerados, sem que isso lhes prive de acesso a tecnologias e infraestrutura para garantir uma maior produtividade e qualidade.
No Panamá, os resultados do estudo do Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) de 2017, revelaram que 19% da população vive em situação de pobreza e existe uma maior incidência nas áreas rurais e indígenas, onde as mais afetadas são as mulheres, que, por tradições como o casamento, o estabelecimento de famílias em idades precoces, a discriminação étnica e o pouco acesso à educação, sofrem uma maior pobreza e marginalização. Embora o IPM reflita uma diminuição de alguns pontos percentuais no índice de pobreza, estamos conscientes de que temos um longo caminho a percorrer, não só a nível nacional, mas também a nível regional. A desigualdade é o nosso maior desafio, mas temos a capacidade de superá-lo e já demos passos muito concretos nessa direção.
Foram priorizados projetos direcionados a aumentar o acesso a uma educação e a serviços médicos de qualidade nas áreas rurais, assim como a implementação de infraestruturas que facilitem o acesso de seus produtos ao mercado.
Programas interinstitucionais promovem a inclusão financeira das mulheres no setor rural, outorgando-lhes as ferramentas que lhes permitam administrar seus recursos de maneira planejada. O objetivo é que, no momento que começam a gerar renda, consigam economizar e, assim, realizar um planejamento financeiro que, sob suas próprias decisões, dê lugar a investimentos que potencializem os negócios, garantam sua sustentabilidade e o acesso a uma melhor qualidade de vida.
Equidade de gênero na Agenda 2030
O interesse de alcançar a equidade de gênero, diminuir a pobreza e oferecer melhores condições de vida a todos está reunido na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável por 17 objetivos e 169 metas. Acredito fielmente que, ao avançar na realização do Objetivo 5: “Alcançar a igualdade entre os gêneros e empoderar todas as mulheres e meninas”, avançaremos no cumprimento dos demais 16 objetivos. As mulheres representam 50% da população, sem a participação ativa da metade da população, será impossível cumprir a Agenda 2030. É fundamental contar com todos os atores da sociedade para acelerar o desenvolvimento sustentável, e isso inclui as mulheres.
A Agenda 2030 também busca erradicar a pobreza, conforme estabelecido no Objetivo 1 “Pôr fim à pobreza em todas as suas formas, em todo o mundo”. Esse flagelo tem como presa grupos como as mulheres rurais, por seu nível de vulnerabilidade. Busca-se alcançar os objetivos, tendo um especial enfoque nesses grupos, a fim de obter a equidade em todos os âmbitos, graças ao acesso a recursos e serviços. Quanto às mulheres rurais, sua condição de vulnerabilidade as levou a permanecer entre altos níveis de pobreza. A possibilidade de que as mulheres vivam em pobreza é desproporcionalmente alta em relação aos homens, outra evidência da necessidade de alcançar a equidade de gênero.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nos oferecem a conjuntura ideal para dar prioridade às mulheres rurais, um grupo que foi atrasado historicamente. Atualmente, temos as ferramentas necessárias para oferecer-lhes as oportunidades de que precisam para se destacar pessoal e profissionalmente.
Aproximando-nos de 2030, cada governo, cada empresa e cada cidadão deve alinhar e priorizar em seu desenvolvimento a Agenda 2030, a qual inclui as mulheres rurais em todos os seus objetivos de maneira direta ou indireta.
Sonho com um mundo em que as mulheres tenham as mesmas oportunidades que os homens, onde não sejam discriminadas por ser mulheres, que seu futuro não seja definido por seu gênero, mas por seus méritos. Tenho a certeza de que esse sonho pode ser realidade, desde que todos contribuamos para alcançá-lo.
1 CEPAL, FAO, IICA. 2017. Perspectivas de la agricultura y del desarrollo rural en las Américas: una mirada hacia América Latina y el Caribe.