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Mulheres rurais na agenda...
A agenda das mulheres rurais

Mulheres rurais: tornando visível o invisível

As mulheres das comunidades rurais continuam a ser um dos grupos mais marginalizados

Alcançar a igualdade de gênero nunca teve uma prioridade tão alta na agenda política. Nos fóruns internacionais, a ênfase é muitas vezes colocada na obtenção da igualdade em termos de salários, acesso a oportunidades no mercado de trabalho ou representação nos parlamentos, conselhos e governo. Grande parte desse trabalho decisivo está em focar nas mulheres em contextos urbanos; além disso, é prestada pouca atenção às mulheres das comunidades rurais, as quais continuam sendo um dos grupos mais marginalizados da sociedade.

As mulheres rurais enfrentam numerosos obstáculos que limitam suas oportunidades sociais e econômicas: carência de direitos à terra, à infraestrutura e a serviços básicos, acesso restrito ao trabalho decente e à proteção social e exclusão dos processos de tomada de decisões e postos de direção.

Empoderar essas mulheres é essencial para o desenvolvimento rural, a agricultura sustentável, a segurança alimentar e a melhoria da nutrição. Com efeito, o acesso das pessoas aos alimentos depende, em grande parte, do duplo trabalho que as mulheres rurais desempenham como produtoras e cuidadoras.

Nos países em desenvolvimento, as mulheres representam em média 43% da mão de obra agrícola dedicada aos cultivos, à criação de gado e à piscicultura, entre outras atividades e 65% dos trabalhadores familiares não remunerados .

Em 2018, a Comissão da Condição Jurídica e Social da Mulher das Nações Unidas reconheceu a importância de assegurar os direitos sobre a terra das mulheres, garantindo a igualdade de oportunidades econômicas e empoderando as mulheres rurais para atender à Agenda 2030 . Nos países em desenvolvimento, oferecer acesso igualitário a essas mulheres aos recursos produtivos poderia aumentar a produção de suas propriedades rurais de 20% para 30%. Não obstante, para evitar que sejam ignoradas ou excluídas, devemos compreender as diversas facetas do problema.

O problema
As mulheres rurais continuam sofrendo as consequências de um acesso limitado a serviços de creche, capacitação, transporte e serviços médicos e culturais, além de enfrentar uma grande escassez de oportunidades trabalhistas. O afastamento dos centros, dos serviços e dos dados sanitários e de profissionais de saúde qualificados representa um obstáculo significativo para as mulheres e meninas rurais. Nos países menos desenvolvidos, uma mulher rural tem uma probabilidade 38% menor do que uma urbana de dar à luz com a assistência de um profissional da saúde capacitado .

Além disso, tendem a dispor de menor acesso aos meios de produção (terra, água e semente, entre outros) e a insumos agrícolas, bem como escasso acesso aos sistemas de proteção social. As mulheres têm menores probabilidades de possuir terras: devido a dificuldades de natureza cultural e legal, apenas 20% dos latifundiários são mulheres. Na América Latina e no Caribe (ALC), por exemplo, essas constituem menos de um terço dos agricultores: 8% na Guatemala e Belize, 30% na Jamaica e 31% no Peru .

Neste sentido, a educação é outro fator importante e, embora tenha avançado significativamente, as meninas das zonas rurais apresentam o dobro de possibilidades de deixar a escola do que as das cidades. Somente 39% das meninas rurais frequentam o ensino médio, em comparação com 45% de meninos rurais e 59% das meninas que vivem em zonas urbanas . Além disso, as meninas rurais se acham em desvantagem frente aos meninos rurais em termos de nível educacional.

As mulheres rurais têm menos autonomia, voz, intervenção e poder de decisão em seu grupo familiar, bem como menores possibilidades do que os homens de ser eleitas como representantes na maioria de conselhos rurais . Na Nicarágua, por exemplo, existem poucos casos de mulheres wihtas ou síndicas, ou seja, ocupando postos chave com poder sobre as terras comunais.

Obstáculos sociais, culturais e jurídicos
O Índice de Gênero e Instituições Sociais (SIGI) da OCDE mostra que as leis formais e informais, bem como as normas e práticas sociais que restringem o acesso das mulheres e meninas a recursos e oportunidades de empoderamento, definidas como instituições sociais discriminatórias , pioram as disparidades de gênero no setor agropecuário .

Em países membros e não membros da OCDE as mulheres rurais são particularmente vulneráveis à discriminação de gênero nas normas sociais. Certamente, as populações rurais têm menores probabilidades do que as urbanas de conhecer os direitos e as prerrogativas das mulheres13. De acordo com várias pesquisas, nos meios rurais, homens e mulheres são mais propensos a obedecer normas e práticas de costumes, as quais geralmente são mais discriminatórias do que as estruturas legais reguladoras. Infelizmente, as normas e as práticas consuetudinárias de 102 países, ou seja, de mais da metade dos países do mundo, ainda negam às mulheres os mesmos direitos de acesso à terra que os homens . Além disso, as estruturas jurídicas contra a discriminação têm se mostrado insuficientes para proteger, em sua totalidade, os direitos das mulheres aos recursos e aos bens devido a opiniões e práticas discriminatórias.

Nas normas sociais discriminatórias ditadas no âmbito familiar as mulheres são designadas como as principais cuidadoras, deixando-as com uma divisão desigual do trabalho e uma maior proporção de trabalho de cuidados não remunerado. Isso as obriga a conciliar suas responsabilidades domésticas com o trabalho no campo, frequentemente em detrimento de sua produtividade . Portanto, as mulheres rurais costumam dedicar mais tempo a atividades domésticas e reprodutivas do que as urbanas, inclusive o tempo empregado na coleta de água e combustível, como resultado da falta de infraestrutura básica e de serviços públicos.

Por causa das normas sociais em que o trabalho de cuidados não remunerado é considerado como uma prerrogativa feminina, mulheres de diversas regiões, classes socioeconômicas e culturas destinam em média de três a seis horas à realização de atividades de cuidados não remuneradas, enquanto que os homens investem nelas só entre meia hora e duas horas . As mulheres rurais da ALC dedicam dez horas adicionais ao trabalho de cuidados e às responsabilidades domésticas, em relação às mulheres das cidades e o triplo do tempo em relação aos homens rurais. Isso também faz que tenham menos mobilidade e que dependam mais de seu entorno imediato, o que as torna particularmente vulneráveis aos efeitos da mudança do clima na agricultura. Além disso, costumam ser as primeiras a “absorver as perturbações” das crises alimentares.

Como tornar visível ou invisível: soluções
O trabalho realizado pela OCDE em diversas frentes para abordar essas desigualdades e empoderar as mulheres rurais se estrutura em torno de quatro pilares.

Primeiro, devem ser empreendidas reformas jurídicas e formular políticas com perspectiva de gênero para proteger os direitos das mulheres rurais e promover a igualdade de gênero, atendendo ao solicitado no indicador 5.1.1. dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) . Em particular, harmonizar as leis consuetudinárias com as leis nacionais, em conformidade com os compromissos internacionais sobre direitos humanos, melhoraria consideravelmente os direitos das mulheres sobre as terras. Inclusive onde a lei garante esses direitos, as práticas e os costumes discriminatórios restringem sua capacidade para possuir, controlar, herdar e administrar terras e para tomar decisões sobre elas. As reformas jurídicas devem ser acompanhadas de intervenções de longo prazo, como campanhas de conscientização e diálogos comunitários, que assegurem a total aceitação da harmonização entre as leis consuetudinárias e estatutárias. A isso se devem somar programas de conhecimento legal que ajudem às mulheres e a suas famílias e comunidades a conhecer seus direitos de propriedade. Entre os instrumentos jurídicos eficazes de proteção aos direitos das mulheres sobre a terra, estão a concessão de títulos conjuntos de propriedade e de iguais direitos sucessórios, o reconhecimento das mulheres chefes de família e a melhoria da capacidade das mulheres para ter acesso à tecnologia e a outros insumos agrícolas.

Em termos das políticas que levam em consideração as questões de gênero, é importante garantir o acesso das mulheres aos serviços básicos, em especial aos de educação e saúde, mediante a melhoria das disposições e a provisão de uma infraestrutura e de uma conectividade adequadas. De fato, todas as políticas devem olhar através da perspectiva de gênero. A OCDE promove a elaboração de orçamentos com enfoque de gênero como uma forma eficaz para que governos e autoridades locais possam fomentar a igualdade no processo orçamentário. Levar em consideração o empoderamento das mulheres no planejamento dos orçamentos pode ajudar os formuladores de políticas a abordar diversas desigualdades de gênero que estão arraigadas nas políticas públicas e na alocação de recursos.

Segundo, é essencial desafiar as normas e as práticas sociais discriminatórias. De um lado, isso supõe assegurar a implementação de reformas jurídicas que promovam os direitos das mulheres rurais e reduzam a discriminação atual. Isso acarreta o desenvolvimento e a execução de programas que abordem o trabalho de cuidados não remunerado realizado pelas mulheres, de acordo com a meta 5.4 do ODS nº. 5, pela provisão de infraestrutura, serviços públicos, programas de proteção social e campanhas em apoio à redistribuição equitativa das responsabilidades domésticas. Além disso, devem ser eliminados os estereótipos e as percepções “tradicionais” sobre as mulheres que impedem alcançar uma divisão mais equitativa das tarefas domésticas, que impossibilitam sua incorporação ao mercado de trabalho formal e que evitam que as meninas continuem estudando. Os estereótipos de gênero podem ser eliminados pela educação, por exemplo, examinando os livros didáticos para assegurar que são neutros quanto ao gênero ou pela promoção de modelos de papéis que as meninas rurais possam seguir. No México, a OCDE trabalhou juntamente com a Secretaria de Educação Pública para estabelecer a NiñaSTEM Pueden , uma iniciativa cujo objetivo é motivar as meninas de idade escolar para que cursem matérias de ciências, tecnologia, engenharia e matemáticas (STEM), apresentando-as a modelos de papéis femininos mexicanos que se mostraram bem-sucedidos nesses campos.

Terceiro, é necessário aumentar a participação das mulheres rurais no mercado de trabalho, uma vez que isso se mostra essencial para a sustentabilidade de muitas comunidades rurais dos países membros da OCDE. Cerca de 6% da população dessas nações vive em regiões rurais afastadas, o que contrasta com os 20% que habitam as zonas rurais próximas às cidades. Nas regiões rurais remotas, os obstáculos demográficos são significativos, pois essas zonas enfrentam o duplo desafio do envelhecimento da população e do declive demográfico. As tendências dessa população não serão invertidas a menos que as mulheres se integrem melhor a seus mercados de trabalho, o que poderia envolver não só o setor agropecuário, mas também outros setores. Para isso, são necessárias políticas eficazes, o que inclui programas específicos de empreendedorismo feminino ou o estabelecimento de cooperativas, que muitas vezes oferecem trabalho a mulheres desempregadas. Também é essencial dispor de mais políticas favoráveis para a família e de educação e planejamento familiar, bem como realizar investimentos em serviços de saúde, infraestrutura e ensino secundário.

Por último, mas não menos importante, devem ser realizados maiores investimentos para preencher os vazios de dados e dar seguimento aos avanços. Reunir dados representa um grande desafio no momento de medir as normas sociais discriminatórias para as mulheres rurais, sobretudo devido a uma percepção amplamente divulgada de que as normas sociais não são quantificáveis. No entanto, segundo o SIGI da OCDE, é possível medir essas normas e dar seguimento aos avanços nos esforços para atacar as causas da desigualdade em todas as regiões, independentemente de seu nível de desenvolvimento. Esse índice pode ajudar a medir os motivadores subjacentes da desigualdade de gênero; além disso, os estudos sobre os países contemplados pelo SIGI oferecem aos formuladores de políticas e aos profissionais do desenvolvimento dados essenciais sobre as instituições sociais discriminatórias de todos os países. Pela medição das leis (formais e informais), das atitudes, das normas e das práticas discriminatórias de todas as regiões de um país, não apenas se destacam os efeitos da discriminação nas desigualdades de gênero, na pobreza e na marginalização das mulheres, mas também se mostra como a discriminação contra elas interage com diversos fatores, como as diferenças rurais/urbanas ou os níveis de educação.

Não obstante, o principal desafio por enfrentar é que a coleta dos dados nos países se mostra muito irregular para que seja significativa em termos de uma média global. A maioria dos dados proporciona médias nacionais que ocultam as disparidades rurais-urbanas entre as mulheres. Os países devem ter estatísticas discriminadas por gênero em todas as zonas que incorporem as dimensões de gênero nas pesquisas socioeconômicas. A aplicação de pesquisas mais específicas é fundamental para dar seguimento às mudanças e elaborar políticas apropriadas para as mulheres rurais e as agricultoras.

As mulheres rurais constituem o motor das comunidades rurais, uma vez que mantêm seus lares em funcionamento, enquanto desempenham um papel primordial na força de trabalho rural. No entanto, por muito tempo foram invisíveis e, com frequência, suas necessidades têm sido negligenciadas. Devemos elaborar e desenvolver as políticas inclusivas quanto ao gênero necessárias para empoderá-las mediante capacidades, empregos de qualidade, serviços de creche, boa saúde e um maior bem-estar. Além disso, como elas costumam se encontrar no ponto mais baixo da distribuição de receitas, apoiar seu desenvolvimento apoiaria também a vida das famílias que as acompanham. Desse modo, as mulheres não só determinarão seu próprio destino, mas também contribuirão para que as sociedades rurais sejam mais inclusivas, sustentáveis e dinâmicas.


1 FAO (Organización de las Naciones Unidas para la Agricultura y la Alimentación, Italia). 2011. El estado mundial de la agricultura y la alimentación 2010–11: las mujeres en la agricultura, cerrar la brecha de género en aras del desarrollo (en línea). Roma. Disponible en http://www.fao.org/3/a-i2050s.pdf.
2 ECOSOC (Consejo Económico y Social de las Naciones Unidas, Estados Unidos de América). 2018. Desafíos y oportunidades en el logro de la igualdad entre los géneros y el empoderamiento de las mujeres y las niñas rurales (en línea). Disponible en http://undocs.org/sp/E/CN.6/2018/L.8.
3 Ibid.
4 Centro de Desarrollo de la OCDE (Francia). 2017. Latin America and the Caribbean: SIGI regional report (en línea). París, OCDE. Disponible en http://www.oecd.org/dev/development-gender/Brochure_SIGI_LAC_web.pdf.
5 ONU (Organización de las Naciones Unidas, Estados Unidos de América). 2010. Objetivos de desarrollo del milenio: informe 2010 (en línea). Nueva York. Disponible en http://www.un.org/es/millenniumgoals/pdf/MDG_Report_2010_SP.pdf.
6 PNUD (Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo, Estados Unidos de América). 2010. Women’s representation in local government in Asia-Pacific status report 2010: going beyond national targets in monitoring status for MDG 3 on women’s political empowerment (en línea). Disponible en http://www.capwip.org/
7 Mairena, E; Lorío, G; Hernández, X; Wilson, C; Müller, P; Larson, AM. 2012. Gender and forests in Nicaragua’s indigenous territories: from national policy to local practice (en línea). Bogor, Indonesia, CIFOR. Disponible en http://webdoc.sub.gwdg.de/ebook/serien/yo/CIFOR_WP/WP95.pdf.
8 El SIGI de la OCDE es una medida efectuada entre países de la discriminación de género en las instituciones sociales.
9 Centro de Desarrollo de la OCDE (Francia). 2014. Social institutions and gender index: 2014 synthesis report (en línea). París, OCDE. Disponible en https://www.genderindex.org/wp-content/uploads/files/docs/BrochureSIGI2015.pdf.
10 Jütting, J; Morrisson, C. 2009. Women, bad jobs, rural areas: what can “SIGI” tell us? París, Francia, Centro de Desarrollo de la OCDE.
11 OCDE (Organización para la Cooperación y el Desarrollo Económicos, Francia). 2018. OECD rural policy reviews: Poland 2018. París, OECD Publishing.
12 OCDE (Organización para la Cooperación y el Desarrollo Económicos, Francia). 2014.
13 Banco Mundial. 2017.
14 Ferrant G; Pesando, LM; Nowacka, K. 2014. Unpaid care work: the missing link in the analysis of gender gaps in labour outcomes (en línea). París, Francia, Centro de Desarrollo de la OCDE. Disponible en https://www.oecd.org/dev/development-gender/Unpaid_care_work.pdf.
15 Indicador 5.1.1. de los ODS: Ya sea que existan o no marcos legales para promover, aplicar y monitorear los principios de igualdad y no discriminación con base en el sexo.
16 http://ninastem.aprende.sep.gob.mx/en/demo/home_.

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Gabriela Ramos • Mujeres rurales: haciendo visible lo invisible Gabriela Ramos

Chefe de Gabinete da OCDE, Sherpa junto ao G7 e G20 e Conselheira Especial do Secretário Geral Paris, França